A
Banda Mais Famosa do Planeta
Amanheceu
com uma chuva fina e fria, contudo Scott Lorenzo sentia-se tão disposto e cheio
de energia como sempre. Conhecia a sorte de John Morelli Braccelli e não seria
uma chuvinha qualquer que atrapalharia mais um show da banda mais famosa do
planeta.
-
Ajudem-me aqui com esses amplificadores. – Lorenzo era especialista em P.A.,
coordenava toda a parafernália de áudio da banda, dos amplificadores Marantz
ultra-pontentes aos mixers Galaxy que ficavam na “ponte de comando”, o pequeno
estúdio que controlava toda a parte sonora e visual durante os shows.
Os
operários, trinta ao todo, posicionavam caixas, colocavam microfones e
pedestais, pedais para as guitarras e o baixo, conectavam plugs e puxavam a
enorme fiação no gigantesco palco em São Paulo , no estádio do Morumbi. O pessoal da
iluminação colocava as luzes enquanto a equipe de efeitos visuais testava os
telões 3D, os jatos de vapos de gelo seco e os lasers. Várias explosões estavam
preparadas, principalmente quando a banda principal tocasse uma música do
AC/DC, “For Those About The Rock (We Salute You)”.
Os
portões começaram a ser abertos por volta das 10:00, embora o show só começasse
com as bandas de abertura às 17:00. Mesmo assim, os telões já começavam a
exibir shows antigos e clips das bandas que iam se apresentar, até mesmo da
principal, marcada para começar às 21:00.
O
gramado foi sendo tomado às pressas e as tietes mais afoitas posicionaram-se
grudadas na frente do palco que continha uma passarela na parte de baixo.
Tribos de todas as idades sentavam-se nas arquibancadas, cerveja era vendida
aos litros, cheiro de haxixe rondando o ar.
Scott
Lorenzo almoçou rapidamente por volta das 13:30 e admirou-se ao ver o estádio
totalmente lotado, com o pessoal cantando junto as músicas que apareciam em
videoclips nos telões gigantescos de alta definição e com imagens 3D. Sua
equipe já parava para um descanso. A primeira banda a abrir o megashow, a
curitibana Os Catalépticos, já passava o som. O tempo começava a abrir e Lorenzo
sorriu sabendo que faria uma noite deliciosa para a apresentação do Única.
17:00
em ponto e fogos anunciavam, ao cair da tarde, o início do que prometia ser um
espetáculo fantástico e inesquecível. A adolescente feinha abraçava o pai
tiozão que não parava de olhar a bunda da amiga gostosa da filha. O punk
radical que odiava a banda principal confraternizava com o nerd que sabia todas
as músicas de cor. A fã incurável abraçava o poster de John Braccelli já
preparada para ficar nua na hora que ele passasse cantando pela passarela
abaixo do palco. A romântica fanática abraçava o namorado desmiolado imaginando
que quando se casassem ele seria como John, rico e famoso.
Os
Catalépticos começaram a cantar “River of Blood”, mas foram recebidos com certa
frieza pelo público. Mas eles melhoraram a partir de “One More Tattoo” e
finalizaram o show às 18:30, no bis, com “Freaks”. Vlad, Gus e Cox foram muito
aplaudidos e saíram satisfeitos do palco.
Às
19:00 entrou o AMP, banda de rock de Recife, arrasando com “Ensurdecedor”, que
começou com explosões ao entardecer em São Paulo. Capivara
pulava no palco com sua guitarra, dividindo os vocais com Djalma, em uma
loucura que levou o público ao delírio. “Devil’s Prize” não ficou atrás, e o
show continuou em um frenesi que parecia levar a multidão ao orgasmo. Saíram do
palco após “Last Try”, e Scott Lorenzo, fazendo os últimos preparativos para a
entrada do Única, sorriu sabendo que eles não eram nada perto da maior banda do
planeta, mas tocaram bem. O público pediu bis e finalizaram o concerto com “Ataque
dos Aliens”.
Chegara
a hora do Única entrar. O público ficava cada vez mais agitado, a ansiedade
crescendo, eles cantando músicas da banda após os telões silenciarem. O
nervosismo tomou conta de Lorenzo, correndo como louco para a banda não
atrasar. Os lasers não estavam sincronizados e o canal do baixo estava
falhando. O computador de efeitos visuais foi reprogramado e o cabo do baixo foi
trocado às pressas, e exatamente às 21:05 o Única estava à beira do palco, na
escada, apenas aguardando a entrada triunfal.
Tudo
ficou quieto. Até o público calou-se, a expectativa era imensa. Silvia engoliu
seco pulando agitada, Mário tremia de
emoção, Jonas encoxou mais a namorada e Lilian tirou a franja dos olhos para
ver melhor. Márcio caiu no gramado totalmente bêbado.
A
conhecida imagem de um rosto estilizado surgiu em 3D, no meio do palco,
projetada na cor verde em meio a densa fumaça de gelo seco. As mesmas palavras
de sempre, que a vida vale a pena ser vivida e que todos deviam fazer amor o
tempo todo, ditas em inglês com a voz grossa sintetizada de um apresentador
famoso.
Depois
uma enorme explosão. Fogos iluminaram a noite de São Paulo e o êxtase da platéia
deu lugar ao Única: o performático John Braccelli nos vocais, com seus cabelos
loiros curtos e espetados e seus olhos verdes enigmáticos, Gilberto Loredo como
guitar leader, cabelos negros encaracolados e olhos castanhos nada comuns,
Sthephanie Braccelli, a mulher de John, vocalista
e guitarrista, uma loira exuberante de cabelos escorridos até a cintura, olhos
azuis impossíveis, roupas colantes pretas e guitarra cor-de-rosa adornada com
uma rosa vermelha-sangue, a japonesa Tonya Suziaki no contrabaixo, sempre com
sua mini-saia branca e seu instrumento branco com o símbolo japonês da paz em preto, o filho do
famoso Tom “Bum” Bunker como baterista, Tom “Bunker” jr., cabelos pintados de
azuis até os ombros e porte atlético, usando camiseta de renda preta; a deusa
dos blues que entrara este ano no Única, no piano, teclados e vocais, a
belíssima negra Suzette Dempsey; nos teclados e sax nada menos que o famoso
chinês Lee Chang e seu bigodinho mágico, e finalizando a polêmica morena de
olhos cinzas na percussão, que por muito tempo apresentara-se totalmente calva,
Anna Catsmann.
Começaram
de forma arrebatadora, a bateria de Tom jr. compassada com o baixo de Tonya e o
piano ritmico de Suzette, na deliciosa “Tonight is the only Night”, onde John
começou cantando rápido entoando o refrão “You‘re my girl forever, but only
tonight”, e o público cantava junto berrando, algumas se descabelando, outras
chorando e pulando, histéricas, os rapazes invejando John que se requebrava
sensualmente no palco, com sua camiseta branca estampada com o símbolo da
banda, o leão alado, e a calça de couro colada ao corpo exibindo uma mala
considerável.
Emendou
“Sweet Little Rock and Roller” com o sax de Lee e os riffs inalcançáveis de
Gilberto em sua “Helena”, a famosíssima guitarra Fender Stratocaster negra com
detalhes cromados. O final foi sensacional e Tom jogou as baquetas pelas costas
enquanto o público berrava alucinado. John gritou um “thanks” e mandou beijos.
Com
o público berrando “Única, Única!”, o ritmo diminuiu com o blues “Roadhouse In
My Heart”, fazendo Suzette esmerilhar no piano em cima da voz às vezes grave às
vezes aguda do sensacional John Braccelli, que logo cedeu a vez a um solo de
guitarra bem blues de Sthephanie, que molhava a palheta na língua de modo muito
sensual.
O
público aplaudiu, gritando entusiasmado, o final da música, e John berrou um
breve “Obrrigadu, thanks, muchas gracias” e começou a pop rock “Is There
Something You Should Know”, na batida eletrônica e nas peripécias tecladistas
de Lee, no piano elétrico assumido por Suzette, no baixo bem tocado de Tonya e
Sthephanie fazendo com Anna o backing vocals. John dando pulos e andando por
todo palco emendou “Hungry Like a Bear”, com o solo do baixo de Tonya fazendo o
público aplaudir junto pulando sem parar, e finalizou a sequência com “Boys on
Film”, o hino gay que de modo esperto John cantava já sem a camiseta, mostrando
os músculos bem definidos e a barriga tanquinho. A platéia berrava o refrão de
modo enlouquecido e a música acabou entre fogos e explosões.
Uma
voz sintetizada disse “Única” bem lentamente enquanto o nome da banda aparecia
nos telões, e os lasers verde-azulados entre o gelo seco tornaram a atmosfera
densa. John surgiu vestido com outra
camiseta, desta vez toda vermelha, e calça jeans bem velha. Sthephanie veio com
seu violão de estrelas e uma mini-saia brilhante, Gilberto, todo de terno e
gravata, de volta com a “Helena” e o resto da banda com outras roupas exceto
Tonya, que não mudava o visual branco. Iniciaram a linda e suave “Save a Little
Prayer For My Soul”, com o compasso lento de Suzette ao piano acústico
emoldurando a voz de John doce e serena. Traduzindo:
“Reze ao entardecer, reze ao
amanhecer, reze uma pequena prece por minha alma, pois agora eu estou perdido,
perdido entre incertezas, perdido entre drogas, perdido para sempre, mas eu
ainda te amo, e não sei o que fazer”
As
garotas, mulheres, garotos e homens choravam balançando seus isqueiros e
celulares piscantes, rapazes pegavam-se cantando o refrão a pleno pulmões, o
velho roqueiro bebendo mais uma cerveja, a garota quase desmaiando. Ao final a
histeria era enorme. John logo começou outra romântica, “Where Are We Now?”, e
em certo momento a banda parou de tocar e ele cantou sem apoio, com todos na
platéia cantando com ele, e foi quando apenas regeu e cada um cantava com
alegria no coração, lágrima nos olhos e sentindo que nada mais havia no mundo
além daquele estádio, e nada mais importava além de estar ali com amigos
cantando canções que te levavam ao prazer de um modo único.
Aplaudiram.
Aplaudiam e gritavam e John soltou um
“Thank You, Obrigaaaaduuu Brazil!”. E esperou o público recuperar-se e
acalmar-se.
Então,
de costas para a platéia, gritou “One, Two...” e a banda começou “Modern Times”
e ele “I Want to believe in love” no refrão, e finalizando a música entre
berros “Let's live there is to live!”. Sensacional. Antes
do público acalmar-se começou “House” cantando “First it was vertigo, like any
passion...” deixando Gilberto fazer um longo solo de guitarra, e houve desmaios
na platéia com seus riffs arrasadores. John cantava “Light on, waiting at the
gate...” e o show seguia em uma alegria e gritaria geral, todos cantavam junto
e conheciam todas as músicas, de álbuns fantásticos como “The Golden Shower” ou
“A Little Beat from My Heart”.
O ápice estava chegando. Iniciando
apenas com o baixo de Tonya, “Totally Numb” arrasou, mulheres se despiam,
homens gritavam, desmaios e histerismo tomava conta do Morumbi. “Crawling
Sensation” deixou todos possuídos, e cada vez que o refrão chegava, John
deixava o público cantar. Todos estavam em uma união onde não havia brigas,
ódio, preconceito, somente a música. Não havia religião, raça ou nação, eram
apenas homens e mulheres cantando o amor, a vida, a paixão, o que fosse, mas
todos estavam se sentindo como se algo realmente valesse a pena. John os fazia
sentir assim.
Mais para o fim do show, a sensual
“Pistol Of Love” terminou com John fingindo um orgasmo e molhando a platéia
próxima com borrifos de água, ótimo refresco no terrível verão brasileiro. A
histeria era completa. Uma garota conseguiu subir ao palco e agarrar John,
tentando beijá-lo e sendo levada por seguranças enormes, esperneando.
Sthephanie brincou ao microfone, em
português bem brasileiro, pois essa era a sua nacionalidade:
- Parem de agarrar o meu marido
senão jogo minha guitarra em vocês, suas malucas! – E tirou vários acordes de
sua Gibson cor-de-rosa. Começou então a cantar “Big Girls Don’t Cry” fazendo um
cover da Fergie, e as garotas a acompanharam no refrão. John ria e pegava
calcinhas jogadas no palco à la
Wando , jogando-as de volta.
Quando Sthephanie finalizou e foi
aplaudida com veemência, John aplaudiu também e depois foi até ela e a beijou
na boca, tirando vaias das mulheres e aplausos dos homens.
-
All right, fellows. All right. I’m very happy to see Morumbi totally full tonight.
Thanks
for coming! – John pulava como se estivesse sendo atacado por pulgas. Desceu a
passarela embaixo do palco, próximo ao povo que tomava o lugar, e levou todos à
loucura.
Começou com a explosiva “Highway
Eternal” e no refrão quase se jogava ao público: “Nobody will ever reach me”, e
então veio o solo de teclado de Lee, seguido do duelo fantástico de guitarras
de Sthephanie com Gilberto. Uma parada e Tom jr. mostrou que herdara do pai o
talento na bateria. A música deu uma acalmada e o público batia palmas
acompanhando o bumbo de Tom, depois o baixo de Tonya, mais tarde Anna nos
atabaques, tamboretes e bongôs, e um solo quase blues de Gilberto que foi em um
crescendo até virar um rock sincopado, quando Sthephanie entrou gemendo com sua
Gibson. Subitamente o ritmo novamente diminuiu e entrou o piano acústico
conduzido por miss Suzette e em seguida a voz arrasadora e aveludada de John,
que parecia falar direto ao coração das garotas, que caiam uma a uma, e até os
garotos estremeceram.
Aumentou a velocidade da música até
o refrão, e tudo foi crescendo, as exibições performáticas, as explosões e os lasers,
até um final apoteótico da música executada com vários improvisos em deliciosos
quinze minutos. Todos gritavam, aplaudiam, berravam, alucinavam.
A banda então despediu-se
rapidamente e sumiu. O palco ficou escuro. Hora de comprar cerveja, fumar o que
desse, relaxar, comentar o show, namorar. Mas logo estavam todos gritando
“Parou porque, porque parou?” ou “Única, Única!” ou ainda “John, John, John!”.
Os berros foram ficando cada vez maiores.
No backstage, John foi dar uma
mijadinha, Sthephanie e as mulheres retocar a maquiagem e trocar de roupa,
Gilberto beber um pouco de tequila, Tom arrancar um beijo de Anna. Verificaram
o set list e combinaram de alterar a última música do bis.
A catarse foi geral quando John
surgiu sozinho e ficou olhando sorrindo para a platéia. Disse serenamente: -
For Those About The Rock, We Salute You. – E a gritaria foi ensurdecedora. E
todos da banda entraram e executaram o som do AC/DC, que atordoava com arranjos
de piano elétrico e teclado, duas guitarras e percussão. Ao final John pulava
como louco: “Shout!” e um canhão laser emitia um pulso ao céu da noite
estrelada e ao mesmo tempo fogos explodiam em várias cores, deixando todos
boquiabertos. “Shout!” e novamente o Morumbi estremecia. “Shouuuutttt!” e John
ficou apoplético de tanto gritar no final estonteante da música, e o estádio
parecia vir abaixo!
A reação atordoante da platéia não
foi pouca, mas John não perdoou e mandou “Sweet Child O’Mine” do Guns com
Sthephanie como guitarrista solo e Gilberto pegando sua guitarra cinza e
fazendo a rítmica. E para surpresa de todos, foi a própria Sthephanie que
começou cantando. Cantava acompanhada da voz do público com sua guitarra
cor-de-rosa, e John pulava como a um doido de um canto a outro do palco, e
depois provocando as tietes andava rebolando pela passarela. Arrancou beijos de
língua de fãs e uma maluca apareceu totalmente nua na passarela, levada se
debatendo pelos seguranças guarda-roupa.
Depois do solo de guitarra, John e
sua mulher cantaram juntos até o final, agraciados com berros histéricos e
aplausos mil.
-
Thank you, people, thank you so much!
-
Obrigada! Obrigada, galeraaaaaaaaa!
E
John preparou a última da noite inesquecível.
Só ficaram ele e Sthephanie no
palco. Ambos sentaram-se em banquinhos e pegaram violões. E começaram a cantar
sincronizados sorrindo um ao outro. O público não se conteve. A música
escolhida foi o sucesso máximo da banda, que parara de cantá-la por algum tempo
pois o público entrava em um estado de histeria máxima e chegara a invadir o
palco em vários shows anteriores.
Mas eles decidiram mesmo assim
cantar “There is One Angel for Every One”
Todos cantaram juntos. Cada um, seja
o vendedor de cerveja, os seguranças, o guardinha ajudante de palco, todos
cantaram cada sílaba de cada estrofe da música perfeita, onde cada palavra
tinha o sentido do todo e toda a melodia fazia cada um ali presente sentir-se
especial, sentir-se protegido, e todos percebiam a presença avassaladora de
alguém único, um Todo Poderoso para quem a música servia de comunicação.
O final foi... Não existem adjetivos para
qualificá-lo. Mas todos, todos mesmo, choravam e se abraçavam, e a banda fazia
reverências debaixo de uma chuva de fogos enquanto a gritaria e os aplausos
eram ensurdecedores.
Foi o maior show da banda mais
famosa do planeta.