sábado, 4 de dezembro de 2010

O Diário Secreto de Solange - Cap. 5

Capítulo 5:

Lembro que nas semanas seguintes eu estudei muito, embora minhas notas estivessem sempre na tangente do vermelho. Só ia bem mesmo em matérias que tinham a ver com programação de computadores.
Solange sempre frequentava os showzinhos do Antunes aos finais de aula e era quando eu via o namorado dela vindo buscá-la, os dois se beijando e ela indo embora abraçada com ele. E meu coração perdia mais um pedaçinho. Porém, até então, sequer podia imaginar o que iria acontecer no futuro. Creio que ninguém, nem mesmo o namorado dela, sabia dos segredos que Solange ocultava.

As férias de julho daquele ano foram frias e sem nada de especial que eu me lembre. Passaram voando. Agosto chegou sucessido por um monótono setembro. Mas em outubro, quando Aloísio, o rapaz que até então eu não conhecia, voltou a morar na nossa república, foi que a minha vida começou a mudar.
Aloísio era feio, cheio de cicatrizes, sua barba estava sempre por fazer e fumava sem parar. Tinha o olho esquerdo meio torto. Cheirava à álcool e era musculoso mas um pouquinho acima do peso.
- Então você é o Flávinho. Ai, cuidem do meu Flavinho... – ele desmunhecou e falou fininho. – Sua mãe falou assim, seu viadinho. Mas escuta aqui, é bom ficar na sua, entendeu... Flavinho?
- Eu tô na minha, cara. Deixa eu em paz.
- Tá. Só ouve o seguinte: se vir qualquer coisa aqui que ache estranha fica na sua e faz que não viu. Eu não ia querer ver sua mãe sofrendo por causa do filhinho, entendeu, ô viadinho?
Eu estava deitado na minha cama e virei-me de costas para ele, cobrindo-me.
- Entendi, sim, pode deixar. Deixa eu em paz e não sou viadinho.
Aloísio saiu da quitinete e quando voltou, estava com Natanael e do quarto ouvia eles rirem alto e conversarem na sala sobre as drogas que iam arrumar e quem dos amigos deles havia morrido baleado. Assustado e tremendo, me cobri mais ainda. E ouvi estarrecido que Aloísio estivera longe todo este tempo porque estivera preso. Que merda de república minha mãe arrumara para mim!
Mas no fim de semana seguinte eu nada comentei com meus pais de medo, puro medo. Meu irmão Fúlvio tinha quebrado meu fone-de-ouvido e fiquei muito irritado.
- Ful, cacete, isso aí me custou duas mesadas. Você vai ter que me dar outro!
- Ah, vai pedir pra mamãe. Eu não tenho nenhum pila, gastei tudo nuns modelos da Revell que vou montar. Foi sem querer.
Pedi o dinheiro para minha mãe. Sua resposta foi mais grossa que curta:
- Nós já pagamos sua república e sua faculdade e ainda te damos uma mesada que dá para você comer e passear. Não temos dinheiro sobrando, não.
- Mas, mãe! Foi o Fúlvio quem quebrou o meu fone-de-ouvido!
- Não tenho dinheiro para isso, Flávinho. Depois quando puder você compra outro. Agora não me atrapalhe que tenho de sair para ver umas amigas.
Naquele domingo eu saí cabisbaixo de casa indo ao fliperama jogar. Não vi os três rapazes, um branquelo e dois mulatos, que me seguiam. Quando entrei por uma rua deserta perto do cemitério, naquela tarde nublada, eles me atacaram e começaram a arrancar tudo o que eu tinha: meu relógio, carteira, meu tênis (que não era caro).
- Aí, moleque, fica na tua e sai correndo senão te arrebentamos! – Disse o branquelo, feio e magro.
Descalso, só de jeans, tentei correr mas um dos rapazes mulatos me passou uma rasteira e eu caí com o queixo na sarjeta. Levantei-me com um talho nos lábios. Passaram a me chutar e só me lembro que desmaiei.
Acordei em um pronto-socorro. Meu corpo todo doía. Meus olhos estavam inchados então olhei com dificuldade para os meus pais, aflitos.
- O que aconteceu, Flávio? – Perguntou meu pai, de mãos no bolso.
- Uns caras me assaltaram perto do cemitério. Depois me espancaram.
- Ai, filho! – Minha mãe estava chorando. – Já te falei para não sair por aí assim, sozinho. Cadê seus amigos?
- Eu ia encontrar com o Rafa no fliperama. Era de tarde, não tinha escurecido ainda, mãe. Não vi os caras chegarem em mim!
Um médico com cara chupada e de olhar indiferente aproximou-se com uma prancheta e disse ao meu pai:
- Ele vai ficar bem. Não quebrou nada. Tem apenas alguns hematomas, mas como desmaiou gostaria que ficasse sob observação aqui esta noite.
- Pai, amanhã tenho Educação Física logo cedo!
- Flávio! Você está bem machucado! Vai ficar aqui esta noite e amanhã não vai para Campinas.
- Mas, pai! Não posso perder a aula de Educação Física! Já tenho muitas faltas!
E não podia mesmo. Eu detestava Educação Física e falta muito. Não podia faltar mais sob risco de ficar com essa matéria como dependência.
O doutor sacudiu a cabeça. Minha mãe segurou minha mão.
- Flávio, você vai dormir aqui e amanhã vai descansar em casa. Terça eu te levo para Campinas e falo com o seu professor de Educação Física.
- Mas, mãe! Deixa que eu me viro na faculdade!
Dormi aquela noite internado no hospital, chorando de madrugada por tudo que estava acontecendo em minha vida, e na terça minha mãe me humilhou ao levar-me na faculdade tratando-me como criança em frente aos meus amigos. Mas salvou-me da reprovação em Educação Física, convencendo meu professor a anular minhas faltas.
Solange era a única que não caçoou de mim sobre as atitudes de minha mãe durante as aulas daquela noite. E quando ela me olhou com um misto de indignação pela atitude dos outros e pena de mim, decidi que estava mais do que na hora de mudar. Mudar de atitude. Mudar de vida.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

O Diário Secreto de Solange - Capítulo 4

Capítulo 4:

Mesmo tendo vinte anos e alguns amigos, eu não saia de sábado. Não tinha carro, não tinha moto, não tinha papo, não tinha vontade. Colocava em alguma estação de FM e ficava gravando músicas em fita cassete e me imaginando em alguma danceteria dançando – coisa que eu não sabia – com Solange. Namorando a Solange.
Aquele domingo passou rápido com a visita costumeira da minha tia e a tarde eu sempre saía para jogar fliperama, uma das poucas coisas que sabia fazer bem.
Lembro-me de arrumar uns trocados para comprar uma Playboy e esconder sob a camiseta. Depois quando fui tomar um banho à noite, homenageei a Solange imaginando-a no lugar daquelas modelos das páginas da revista, solitariamente me satisfazendo, na primeira vez que ousei imaginar algo mais quente com ela.

Na aula de Álgebra I, com a professora “Crocodilo”, plena quinta-feira, lá estava ela. Concentrada, mordendo a ponta do lápis... Eu queria ser aquele lápis... Contudo, exceto pela entrada ou saída da aula, ela ignorava minha existência. O Márcio dissera que já a vira com um namorado que a vinha buscar de Voyage azul metálico.
No intervalo das aulas fui comer um X-Salada na lanchonete da faculdade e sentei-me com o Márcio e o Otelo, ambos devorando seus lanches com velocidade.
- E então, amigão. – Márcio falou com a boca suja de maionese. – Já conseguiu pelo menos conversar com ela? Ou ainda está só no “oi”?
- Acho que nem no “oi” – Otelo deu uma risadinha.
Eu apenas devolvi um sorriso sardônico.
- Ah, bom, acho que nem vale a pena. Ela tem um namorado, certo? Que tem um Voyage. Eu nem tênis bom tenho. Então, nem vou perder meu tempo.
- Mas é um tonto mesmo. Vai lá, Flávio. Ela é legal, não vai sair correndo de você. O máximo que ela pode fazer é te dar um pé na bunda.
- Márcio, você tá doidinho para falar com a Márcia Bellini e não tem coragem também, então não fica pressionando. A hora que eu sentir vontade de falar com ela, eu falo, tá?
Otelo deu outra de suas risadinhas em meio a mordidas em seu X-Tudo:
- Vontade você já tem, falta coragem!
Suzana Fontes, a milionária da classe, muito simpática por sinal, alegre e extrovertida - uma amiga para todas as ocasiões - aproximou-se com sua inseparável amiga Kássia, igualmente simpática.
- Então, povo, que tal a gente ir na Stratosfera hoje? Vai tocar um grupo novo lá que eu nunca ouvi falar, de New Wave, mas bem legal, parece que se chamam os Titãs.
- Ah, é – eu conhecia a nova banda – Tem aquela música legal deles, Sonífera Ilha. Eles vão tocar aqui? Que fera. Queria ir sim.
- Eu também – disse Márcio – E o nosso amigo Otelo vai querer também, mas nós vamos ter de ir de Mercedes com motorista.
Kássia ficou supresa: - Mercedes com motorista?
- Ele está falando do buzum da C.C.T.C. que é Mercedes, Kássia. – Disse Suzana, não achando graça na brincadeira. – Olha, eu pego vocês, tá? Vamos juntos.
- Mas eu tenho que ir para Jundiaí, o último ônibus é a meia-noite!
- Dorme na minha república, Otelo. – Márcio já se pôs de pé alisando a barriguinha proeminente. – Pode dormir no sofá que os caras não vão achar ruim. Bom, gente, vou pegar outro X-Tudo que aquele primeiro não deu nem para cova do dente.

No fim da aula daquela noite fui até a minha república, que estava vazia, e coloquei meu melhor jeans e uma camisa azul petróleo com gravata de crochê branca, bem na moda da época. Dos meus amigos de república, eu só havia conhecido o Natanael, o outro cara eu nem sabia quem era e até então não aparecera.
Suzana parou o seu Fiat Prêmio azul escuro novinho em frente ao meu prédio pontualmente às onze horas e Kássia, Márcio e Otelo já estavam nele. Excitado por sair com amigos, não vi a poça d’agua e sujei meu dockside e a barra do meu jeans, mas não me preocupei. Era uma das primeiras vezes que saia com amigos, embora em Salto, quando era pré-adolescente, saía muito à noite. Saia a pé, andar pela 9 de Julho, ver as lojas e ficar conversando bobagens de pré-adolescente.
A danceteria Stratosfera ficava na rua Paula Bueno em Campinas, e era incrível, pelo menos para mim, virgem em sair para lugares assim. Lembro que estava tocando Blitz quando entramos, Mais Uma de Amor. Começamos fingindo que dançávamos, nós cinco. Eu estava muito feliz! Saindo pela primeira vez!
Foi então que outro momento mais que mágico aconteceu. Ela!
Solange Pereira Carvalho. Ela entrou vibrante, vestida com um tubinho preto, glitter no rosto e de mãos dadas com um sujeito gostosão de cabelos espetados.
Meu mundo girou. Como uma menina podia ser tão bonita? Tão sensual?
- Acorda, bananão. – Márcio me sacudiu. – Ela é muito caminhão para sua areia.
- Não seria o contrário? – Otelo deu sua risadinha.
Kássia e Suzana já haviam nos abandonado à própria sorte, cada uma conversando com um rapaz diferente. Agora éramos só os três e fiquei com os olhos vidrados em Solange, que não me vira. Os Titãs em começo de carreira entraram no palco.
Eu pulava de qualquer jeito finjindo que sabia dançar. Meus olhos não conseguiam deixar de acompanhar Solange. Ela dançava muito bem junto com o rapaz, e em um momento fugas ela me viu, porém virou o rosto e fez que eu era um completo estranho. Mesmo no auge do show, quando os Titãs tocaram Sonífera Ilha, eu me sentia um morto-vivo com a auto-estima abaixo da linha do zero.
Voltamos a pé para nossas repúblicas na madrugada fria, abandonados pela Suzana e pela Kássia, que haviam arrumado dois “rapazes interessantes”.
Naqueles idos dos anos 80 do Século Vinte andar à noite por Campinas não era correr risco de ser assaltado ou até morto. Só sei que ao chegar em minha quitinete, encontrei Natanael de péssimo humor.
- Fica bem longe de mim, sua bichinha, porque hoje eu arrebento um se puder! - E socou a parede deixando um desnível nela. Passou a chutar tudo e então colocou um disco de vinil no três-em-um da salinha com uma música sertaneja horrível em alto volume. Simplesmente não pude pregar o olho a noite toda, e nem me atrevi a falar nada com medo de levar um soco e ter meu rosto amassado como a parede.
Eu soube depois que a namorada do Natanael o havia deixado.

sábado, 9 de outubro de 2010

O Diário Secreto de Solange - Cap. 3

Capítulo 3:

A parte que me interessava mais na faculdade era tudo que tinha a ver com computadores: programação, algoritmos, projetos. Detestava e ainda detesto matemática, cálculo, geometria e estatística. As minhas primeiras provas nestas últimas matérias eram tingidas de vermelho. Porém começava a me destacar entre os colegas no domínio dos novíssimos Cobra-320 e Cobra-520, os computadores do CPD da minha faculdade.
Eu aprendi com extrema rapidez a programar em Cobol, Mumps e a mexer no sistema operacional SOD tão bem que minhas notas eram 9,0 ou 10,0 nestas matérias.
E o semestre voava. Voltando à minha turma, logo fiz amizade com o Otelo, um grande amigo da Bolívia. E o Márcio, o sujeito que eu admirava porque parecia saber de tudo um pouco. Também era o nosso fornecedor de disquetes, programas “alternativos” para Apple II e picotex para furar disquetes de 5 ¼” e poder usar o outro lado.
Logo o trio estava sempre junto. Infelizmente não havia vaga na república do Márcio e o Otelo morava em Jundiaí, uma cidade próxima à Campinas, então tive de me contentar em viver em uma quitinete com mais dois desconhecidos que sequer faziam o mesmo curso que eu.

Lembro-me do primeiro dia na minha república. Claro como se fosse ontem. Cheguei às onze e meia da noite de uma sexta-feira, vindo da faculdade com o ônibus vermelho da C.C.T.C. e estava exausto. Aulas de Álgebra I e Cálculo I haviam reduzido meu cérebro a um amontoado de sinapses sem sentido.
A porta estava trancada. Eu tremia. Não conhecia meus dois novos companheiros porque todo o trâmite de alugar o apartamento fora feito por minha mãe. Eu só sabia o endereço que estava em um pedaço de papel e mais nada, então imaginem o que eu sentia naquela hora...
Abri a porta com minha chave e acendi a luz. Era uma quitinete cinza e comum no sétimo andar de um prédio na Barão de Itapura. Na pequena sala havia apenas um pequeno sofá verde escuro, um rack velho com uma televisão pequena e um aparelho de som antigo. O chão tinha um carpete cinza tipo forração.
Havia apenas mais uma cozinha minúscula, um banheiro apertado e um quarto um pouco maior com dois beliches e um guarda-roupa estreito. Senti-me deprimido... Eu teria de viver lá por pelo menos mais quatro longos anos. Joguei a mochila com minhas coisas em uma das duas camas vazias.
Tomei um banho rápido, coloquei meus ridículos pijamas e arrumei a cama que escolhera (as outras duas, de meus colegas de quarto, estavam todas bagunçadas). Era a parte de baixo do beliche da esquerda. Deitei e não conseguia dormir, agitado, com uma espécie de medo, sentindo-me sozinho. Porém em algum momento após a uma da manhã peguei no sono, um sono leve.
Acordei com risos. Ia levantar-me para conhecer meus dois novos colegas, mas ao virar-me na cama deparei-me com um casal bêbado.
O rapaz, um jovem alto, mulato e de cabelo pixaim cortado rente, reconheci como sendo um dos que iam compartilhar a república comigo. Eu o havia visto em uma foto e sabia que seu nome era Natanael. A garota, uma loirinha muito bonita e magricela, eu nunca tinha visto antes. Seus olhos verdes não demonstravam brilho algum.
Ela era bem pequena perto dele, que devia ter quase dois metros de altura.
- Quem é você, garoto? Eu te conheço? – Natanael parecia irritado.
- Eu sou o Flávio Maulson. De Salto. Você deve ter falado com a minha mãe.
- Ah, é... O Flávio. Sua mãe mandou ficar de olho em você! Já trocou as fraldas?
Eles riram e eu fiquei muito chateado, mas não respondi. A loira me encarou:
- Olha... Porque você não vai ali na esquina chupar um sorvete que eu estou querendo chupar outra coisa aqui... – E riram mais.
Levantei-me para colocar uma roupa e sair. Estava ficando insuportável permanecer naquele quarto. Quando me viram de pijama bege caíram na gargalhada.
Natanael chegou a chorar de tanto rir:
- Que é isso? Aqui não é o maternal não....
Peguei algumas roupas e me retirei, indo vestir-me no banheiro. Saí do apartamento humilhado e com muita raiva e desci para a rua, caminhando até uma agitada pizzaria ainda aberta ali perto. Nem lembro o que comi ou bebi de tanta raiva.
Voltei quanto a pizzaria fechou, duas e meia da manhã. O apartamento estava às escuras. Entrei vagarosamente no quarto e percebi, pela penumbra, que Natanael e sua namorada estavam dormindo no beliche da direita, na parte de baixo, juntos.
Tirei meus sapatos e dormi de jeans e camiseta mesmo, roendo-me de ódio.
Na manhã seguinte, um sábado atipicamente quente do final de abril, voltei para Salto, para minha casa. Um noite na república e já a detestava. Cheguei de mau humor e fui diretamente ao meu quarto, que compartilhava com meu irmão.
Coloquei meus fones de ouvido e fiquei ouvindo música, eu gostava de “mixar” fitas cassetes com músicas New Wave de bandas como Devo e B-52’s, minhas preferidas na época. Eu não tinha uma moto ou um carro, mas tinha uma senhora aparelhagem de som, com toca-discos, mixer, equalizador, os cambal.
Tirei os fones quando meu irmão, Fúlvio, tocou o meu ombro.
- Vem almoçar, Fla, que a mamãe tá chamando.
Desliguei tudo e fui comer, meio chateado, ainda lembrando da noite anterior. Eu não queria mais voltar para a minha república. Mas não tinha coragem de dizer isso aos meus pais. Sentei-me na mesa e minha mãe serviu macarrão com almôndegas.
- Como foi na república nova, Flávio? – Ela perguntou.
- Ah, foi bom – menti – dormi bem, foi legal.
Ela não perguntou mais nada e fiquei quieto. Meu irmão começou a reclamar da comida como sempre fazia. Minha mãe gritou para o meu pai:
- Jonas, vai almoçar aí ou vem comer aqui?
- Vou comer aqui na sala, beinhê. Vai começar um filmão com o Browson.
Tudo aquilo me deixava deprimido. Meu irmão reclamando, meu pai ausente, minha mãe pouco importando se eu ia bem na faculdade ou não, porque nem sequer sabia que notas eu tirava ou se havia alguma prova importante.
Comi bastante como um rapaz de vinte anos come e voltei à minha música. Afundei na poltrona com os fones de ouvido e coloquei no meu tape deck Foreigner cantando I Wanna Know What Love Is, curtindo uma leve depressão. Suspirei pensando na Solange. A linda, extrovertida e inteligente Solange Pereira de Carvalho.

sábado, 2 de outubro de 2010

O Diário Secreto de Solange - Cap. 2

Capítulo 2:

As aulas de fato começaram na semana seguinte e percebi que gostava muito de ir à faculdade. Sentava-me na verdade no meio da sala, não pertencendo nem ao grupo dos bagunçadores, os que ficavam na parte de trás, nem dos CDFs, que ficavam nas primeiras carteiras. Era médio em tudo. Não era bom em nada, mas também não era ruim em nada. Eu era médio.
Solange, o nome de minha paixão até então totalmente platônica, sentava-se a duas carteiras lateralmente de mim, à minha esquerda. Eu vivia com um olho na aula e outro nela. Vestia-se na moda da época, roupas coloridas, muito verde limão, amarelo ruidoso e vermelho queimado. Sempre com seus cabelos castanhos longos a combinar totalmente com aquele par de olhos vívidos e sensuais. Nisto estava fora de moda: na época a maioria das meninas da classe cortava os cabelos curtos, na moda New Wave.
No restante da classe, gordinhos, magrinhos como eu, gostosões, gostosinhas e muitas orientais, a maioria com o nome de Márcia. Acredito que naqueles anos de 1980 o costume entre os nipônicos era colocar o nome em suas lindas filhas de Márcia, com seus cabelos lisos e olhos negros misteriosos.
Logo um rapaz começou a se destacar entre a nossa turma. Parece que sempre deve existir alguém assim em qualquer comunidade. Seu nome era Valério, logo apelidade de O Terrível. Não apenas por ser o terrível com as mulheres, mas porque sabia tudo, e ninguém o via estudar. Devia ter um Q.I. muito alto. E o pilantra ainda era rico. Então acho que não é novidade que as garotas da classe orbitavam em torno dele. Menos Solange.
Ah, mas Solange conversava com ele, conversava com todos. Ela era expansiva, alegre, bem humorada e... Quando me deu um olá a primeira vez eu nem sequer consegui responder, perdi a voz. E, creio, não preciso dizer que meu coração disparou.
Mas voltando à nossa turma havia o Antunes. Ele tocava violão com maestria e logo, depois das aulas, sempre havia um showzinho onde ele cantava as de sempre, Te Amo Espanhola, Yolanda, ou Um Dia Frio...
Ficávamos ao redor dele, no chão mesmo ou no assento de concreto que torneava os canteiros, quase sem plantas, do andar de baixo de nosso prédio na faculdade. Eu tentava ficar perto de Solange, que cantava junto baixinho com uma voz doce, suave, mas não era páreo para o Antônio, o Pedro ou o próprio Valério, maiores e menos tímidos do que eu.
Mas eu sonhava. Sonhava muito com ela. Voltando para casa de ônibus sozinho - naquele começo de semestre eu ainda não fizera amigos – encostava a cabeça na janela (já devidamente tosquiada) e sonhava passeando pelo shopping com ela de mãos dadas e depois indo à sua república – eu já descobrira que ela morava em uma república com mais duas amigas – e a beijando e beijando, porque até então eu ainda só pensava em beijá-la, ingênuo que era.
Os dias pareciam passar cada vez mais depressa. Eu vinha de Salto, uma cidade também do interior do Estado de São Paulo, e meus pais que lá moravam resolveram que era melhor eu não ficar viajando todo dia. Agradeço à Deus por isso... Porque iriam procurar uma república em Campinas para mim, para ficar a semana toda em Campinas e só voltar à Salto de fim-de-semana... Bom, minha família era de classe média média e com um pouco de dor podia pagar um terço de aluguel de quitinete.

domingo, 26 de setembro de 2010

O Diário Secreto de Solange - Cap. 1

Escrevo estas páginas como forma de me liberar da culpa que tanto me atormenta. Tomei uma decisão que considero correta, porém... Não sei. Talvez a maior parte da sociedade não a considere assim. Por este motivo escrevo estas linhas, tentando limpar minha consciência. O que fiz? Antes de dizê-lo preciso contar toda a história... Colocar minhas ações em um contexto. Talvez assim eu seja absolvido por vocês, meus diletos leitores... Ou não.
Preciso começar do começo, bem do começo, para que entendam e procurem sentir minhas emoções, meu estado de espírito em cada momento. Que experimentem passar pelo que passei e procurem compreender porque tomei a decisão que tomei.

O ano era 1984. Eu havia passado no vestibular para o curso de Análise de Sistemas na Pontifícia Universidade Católica de Campinas, a PUCCAMP. Lembro bem do meu primeiro dia como calouro, aquele mundaréu de gente sorrindo, gritando e eu procurando minha classe nas listas de papel, pregadas no concreto à vista dos edifícios do campus.
Entrei em minha classe. Havia muitos alunos e, tímido como sempre fui, sentei-me próximo aos fundos da sala, onde havia alguns sujeitos estranhos que riam muito. Uma jovem bonita trajando apenas camiseta branca e jeans entrou e começou a encher a lousa de fórmulas e uma lista de livros que deveríamos comprar.

- Aí, gente, sou a Laura, professora de Cálculo I de vocês. Estudem essas funções trigonométricas porque a prova é segunda que vem, ah, e também comprem esses vinte livros que listei aqui.
Começei a suar frio. Eu estava esperando já começar com aulas de programação de computadores e aquela professora, pouco mais velha do que eu, enche a lousa e manda comprar um monte de livros! E dinheiro? Onde eu ia achar dinheiro para tanto livro? E prova na próxima segunda? Minha vontade naquele momento era ir embora dali, sair correndo.
- Agora vamos passar recolhendo dinheiro para a apóstila.
Entreguei a grana que tinha para almoçar para pagar a maldita apóstila e então a tal professora apontou os alunos do fundo da classe, próximos à mim, que riam se parar:
- Estes sujeitos aí estão fazendo já à terceira DP comigo. Vocês não vão poder mais dormir à noite, vão é estudar, estudar e estudar, eu sou rigorosa, entenderam?
Uma caloura de feições orientais (aliás, a maioria dos alunos de minha classe naquela época era de orientais) ergueu a mão. Laura colocou as mãos na cintura e ralhou:
- Está pensando que aqui é o primário? O que você quer, menina?
- Eu... Eu queria saber o que é DP, professora...
- Quero que me chame de Doutora Laura, entendeu bem, aluna fraca da cabeça? E DP é Dependência, reprovação, coisa que tenho certeza você vai ter em minha classe!
O pessoal lá de trás caiu na gargalhada enquanto eu e a maioria da frente até tremia de medo. Aquilo era a faculdade?
- Mas... Mas eu não fiz nada professora!
- Sua imbecil e mentecapta! Já falei para me chamar de Doutora Laura!
Foi então que aconteceu um evento tão fantástico e precioso, que guardo com prazer em minhas lembranças, e que embora tenha se passado em minutos, levou horas em minha mente. Uma caloura levantou-se irritada e levantou a voz:
- Vamos parar com essa palhaçada, que de doutora você não tem nada, veterana!
Ela era maravilhosa, linda, uma garota em seus dezenove ou vinte anos emergindo, aflorando como mulher e seus cabelos esvaçoavam enquanto falava. Seus olhos castanhos tinham um brilho que jamais vira na vida. Ela voltou-se para nós, pobres colegas calouros.
- Vocês não vêem que tudo isso é uma encenação? Que o dinheiro que pediram para apóstila na verdade é para a cerveja desses safados no fundo que não passam de veteranos abusados passando um trote?
Um rapaz loiro, com o rosto coberto de cicatrizes de espinhas que deviam ter existido em seu rosto durante sua adolescência, subiu em uma cadeira:
- Ora, fique quieta sua bixa abusada. Quer ir para a diretoria levar umas palmadas do diretor? Eu ajudo a bater! – E riu junto com os companheiros hienas até que um deles até capotou entre as carteiras.
Eu estava evidentemente apaixonado, se é que alguém fica apaixonado apenas por olhar para outro alguém. Aquele garota era sensacional, e não apenas eu, mas os meus companheiros bixos e aqueles vets também notaram. E todos os rapazes (e porque não dizer algumas garotas também?) acompanharam ela sair, esplêndida, mas pisando duro, de nossa classe, daquela pseudo-aula.

Após aquele momento uma discussão começou ente os calouros e os veteranos, os calouros querendo reaver o dinheiro e alguém já chegando com uma tesoura para nos tosar. Tentei escapar, mas foi em vão. Não pelo fato que iam cortar-me os cabelos, que na verdade nunca ficavam direito em minha cabeça, mas para ir atrás daquela morena de olhos castanhos sensacional, queimada de sol e com um corpo com curvas tão bem feitas que até hoje sonho com elas.

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Viagem - Crônica de minha nova viagem à Paris

Estou indo para Paris. Embarco amanhã. Postarei e darei "twits" sobre como está indo minha viagem. Durante a viagem continua escrevendo meu livro. Darei pistas sobre ele. Se será um "best-seller"? Não... Apenas escrevo o que eu gosto. Abraços à todos

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Não esqueci, apenas o tempo acabou

Com reviravoltas que surgiram em minha vida, o tempo para tuitar, orkutar, facebokar e blogar ficou escasso. Tenho de desenvolver mil programas e atender mil clientes, alguns chatos e que não pagam e te estressam. Já falei que tá cheio de gente de M... por aí? Pois é. Mas também tem gente legal... Enfim... Mas espero que tudo se acalme e eu consiga voltar à ativa... Na Web

domingo, 25 de julho de 2010

A Fórmula Um acabou

A Fórmula Um acabou. Desonestidade, resultados manipulados, poucas ultrapassagens, muita sacanagem, acabou. A ferrari para mim acabou. Vou fazer coisas mais produtivas como ver horário político. Tem menos sacanagens e menos ladrões e porcos.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

quarta-feira, 26 de maio de 2010

A Guerra dos Impérios - Prólogo (Final)

Meses depois

Atron ainda não havia conseguido uma nave para voltar à Égon, à cidade de Mégan e ao teletransporte espiritual que o devolveria à Tirênia. Não havia meios de driblar a rigorosa fiscalização em cima das poucas astronaves restantes em Tarrent.
Uma nave estelar era agora artigo de luxo naquela região moral e tecnologicamente decadente.
Durante todo aquele tempo em que vivera em Tevária, Atron K-Rosam’vev morara na pequena casa feita de restos de carbonite e concreto plástico queimado de Kim Kay-War. O pai da tarrentiana morrera no mar um ano antes, durante uma forte tempestade. Agora Atron, ou Argon como ela o conhecia, era tudo que lhe restava.
Apaixonaram-se. Kim admirava o corajoso e revolucionário Atron, lutando pela causa dos pobres tarrentianos contra a prefeita, o governador e o chanceler Adrin Duprek.
Roubava da elite, minoria, para dar aos miseráveis e famintos plebeus que um dia foram seus súditos. Já corria por todo o mundo de Tarrent que um último espécime lemântico trazia o terror para os ricos para dar de comer aos pobres.
Atron K-Rosam´vev casara-se com Kim Kay-War no fim daquele ano. Era idolatrado pela população carente e perseguido pelas milícias do chanceler.

Em uma manhã quente de verão, e Delta Majoris brilhava intensamente, aquecendo a praia agora limpa em um multirão organizado por Atron, o casal resolveu pescar um pouco, coisa que faziam com certa frequência.
Aventuraram-se no mar calmo e já longe da costa, molhados e com muitos peixes no porão, resolveram descansar sob o sol.
- Argon... Nunca me senti tão feliz. Só uma coisa me deixa triste.
- O que a deixa triste, amor? – Atron a encarou, com ares de preocupação.
- Nunca poderemos ter filhos. Você é um lemântico e eu, uma tarrentiana. Nossos DNAs são completamente diferentes. Totalmente incompatíveis.
Atron olhou o horizonte azul e deixou-se entregar ao balanço do barco.
- Isso é verdade. Mesmo que estivéssemos no auge do Império Lemântico, os médicos não conseguiriam fazer com que pudéssemos ter filhos.
- Ao menos podemos fazer amor... E você sabe amar uma mulher como poucos, meu querido.
Eles se beijaram. Porém Kim notou as lágrimas no rosto ovóide de Atron.
- O que houve? Sente-se triste por não podermos ter herdeiros?
- Sim, mas... Também porque meu único filho, o filho que já tive, desapareceu na batalha de Égon anos atrás, com minha falecida esposa. O corpo dela e de Betram nunca foram encontrados.
- Betram? O príncipe Betram? Seu filho... Espere um pouco... – Kim contornou o rosto de Atron com as mãos e então seus lábios tremiam, ela toda tremia.
- Porque nunca me contou? Eu sempre suspeitei, mas achava que não era possível... Você é o rei Atron. Atron K-Rosam´vev, nosso rei, nosso igni... Pelos deuses...!!!
Atron ficou algum tempo em silêncio, pensativo. Então contou tudo o que acontecera desde que Leman, que no futuro seria conhecido como o planeta Marte, fora arrasado e o Império Lemântico caíra. Contara também sobre Martogh, sobre Zonos, sobre Liany. Sobre seu poder de mudar de corpo.
Kim digeriu lentamente as palavras de seu marido. Podia entender porque escondera sua identidade dela e o perdoara por isso. Eles se abraçaram e depois trocaram um longo beijo.
Foi quando Atron K-Rosam’vev foi mortalmente atingido nas costas. As balas explosivas atravessaram sua grossa carapaça e provocaram uma forte hemorragia interna, perfurando os pulmões. Estava ainda consciente, nos braços de Kim, mas estava confuso e fraco.
Barcos da patrulha da Milícia Pública haviam localizado o casal. Em minutos estavam cercados. Kim Kay-War tentou proteger seu marido de todas as maneiras.
- Parem! Não podem fazer isso! Ele vai morrer!
- Sobreviverá até ser executado em praça pública daqui alguns minutos. – Disse um dos guardas. – Fique quieta ou atiraremos em você também.
- Ele sempre ajudou o povo de Tarrent em tudo! Isso é um absurdo!!
Kim levou uma forte coronhada de um dos guardas e caiu desfalecida. Atron, quase sem forças, avançou sobre ele e quebrou-lhe o pescoço com extrema rapidez. Tomou-lhe a arma e disparou, matando muitos dos homens da milícia e explodindo um dos barcos até ser dominado por doze soldados do exército do chanceler, que haviam acabado de chegar pelo ar.
O casal foi levado para a praia. Em fileira, alguns dos líderes da revolução promovida por Atron já haviam sido cruelmente executados e outros aguardavam a execução. Atron estava fortemente amarrado e muito fraco, cuspindo muito sangue e sabendo que não sobreviveria. Não naquele corpo, seu corpo original.
O povo se rebelera em muitos pontos de Tevária e em toda a Tarrent, pois a notícia que o nobre lemântico que ajudava a todos iria ser executado espalhou-se muito rapidamente.
Kim recobrou a consciência e foi segura por dois soldados longe do marido. Ela estava ofegante e começou a chorar, desesperada.
- Nãããoooo!!! Isso é um erro!!! Não! Não o matem, por favor...
Atron foi colocado de joelhos na areia, e cinco daqueles homens do chanceler o cercaram, apontando suas armas de balas explosivas para ele.
Um deles, que parecia ser o líder da tropa, disse.
- Tragam a mulher dele aqui primeiro. Ela será executada antes.
Atron cuspia sangue e mal pode protestar. Sua mente estava turva.
Kim Kay-War foi amarrada à um poste. Ela se debatia e chorava.
- Agora, lemântico, assista a execução de sua mulher. Logo se juntará à ela.
E o líder da tropa fez um sinal. Um soldado colocou sua pistola de balas comuns na cabeça de Kim. Ela parou de chorar e disse à Atron:
- Eu te amo muito, meu querido. Lembre-se disso. Agora eu me vou, mas quero que use este corpo para se vingar... – E piscou para ele, parando de se debater e ficando estranhamento serena diante da morte.
- Atire! – Ordenou o comandante.
- N...n..n... – As palavras do igni lemântico não saíam de sua boca.
O soldado atirou e Kim Kay-War estava morta.
Satisfeito, o comandante voltou-se para os soldados que cercavam Atron.
- Executem-no!
Os cinco homens tarrentianos atiraram e liquidaram o rei e igni do outrora poderoso Império Lemântico.
Confuso, Atron quase não pode se lembrar do rito de passagem. Assim como sua irmã, esquecera o que tinha de dizer e pensar, somando-se à isso o fato que estava muito ferido. Levou tempo demais. Passou dos quinze minutos que dispunha e parte de suas memórias foram esquecidas.
A Luz o chamava para o Além-Universo, a Terra dos Mortos. Sentiu-se feliz ao desencorporar e seguiu por um túnel brilhante e aquecido, deixando para trás a mesquinhez e ignorância dos seres de seu Universo.
Mas sabia que tinha uma missão... Mas qual seria? Sabia que era muito importante voltar. E, mais que tudo, sabia que tinha de vingar os justos que o ajudaram na Revolução Tarrentiana e também vingar a morte de sua mulher.
Tinha de voltar. Lutou contra o que o puxava para o Outro Lado. Fixou a mente no corpo de Kim, ainda amarrado ao poste. Sentiu um violento “puxão” e a encorporou. Imediatamente o cérebro de Kim expulsou a bala e se regenerou. A alma de Atron permeou aquele ser que pouco antes havia sido sua esposa.
Ficou calado, imóvel e de olhos fechados. A mudança de corpo sempre seria muito dolorosa e complicada para Atron e Liany, algo muito ruim de se experimentar haja visto a enxurrada de memórias e a personalidade da pessoa que ali vivera que comprimiam sua própria mente. Ainda mais sendo a primeira vez que fazia aquilo.
Mas agora Atron K-Rosam’vev estava vivendo no lugar de Kim Kay-War.
Não demorou muito e, ainda amarrado(a), com o rabo dos olhos viu, sem nada poder fazer, vários amigos e amigas que o ajudavam na revolução serem cruelmente executados naquela praia agora tingida de sangue vermelho e roxo.
Dois soldados se aproximaram dela.
- Vamos estuprar esta vaquinha antes que joguem seu corpo na fogueira!
- Vamos, hehehehe, tô sem nenhuma muié faz tempo!
Desamarraram Kim e assim que se viu solta usou as mãos para apertar com muita força o saco escrotal de cada um, que entre perplexos e doloridos nem puderam gritar. Caíram de joelhos, e Kim usou o próprio joelho para acertar o queixo de um enquanto desferia um violento soco no outro, pondo ambos fora de combate.
Arrumou suas roupas, tomou as armas dos soldados e, sabendo que não havia mais nenhum aliado seu vivo naquela praia amaldiçoada, deu uma última olhada em seu antigo corpo de lemântico jogado na areia, em meio à uma poça de sangue roxo, e fugiu por entre as casas que nos últimos anos ajudara a reconstruir.

Logo a população a acolheu. Olhando o movimento de tropas pela janela de uma casa no alto de um morro, Atron sentia-se estranho como uma mulher tarrentiana. A joelhada e o soco que dera nos soldados, que antes sendo lemântico não o faria sentir nem cócegas, agora provocava inchaço, roxidão e dores fortes.

Todavia agora era Kim Kay-War. E ainda assim continuava sendo Atron K-Rosam’vev. Iria se vingar de todos, ia libertar aquele povo oprimido e depois... Depois tentaria se lembrar quem fora Martogh. Onde ficava Tarínia, o lugar que recebera aquele estranho dom de mudar de corpo – pois suas memórias danificadas confundiram Tirênia com Tarínia – e quem fora Zonos, afinal. Tinha perdido boa parte das lembranças de sua vida anterior, Contudo, naquele momento, nada mais importava, pois perdera sua esposa e tinha um mundo inteiro para salvar.

sábado, 15 de maio de 2010

A Guerra dos Impérios - Prólogo (Parte II)

Cinco anos depois

Ütarash, um bandido de Daryani, conseguira descobrir onde estava Zonos e também copiar as chaves de sua prisão. Tentaria com um grande exército dary - os cultuadores de Zonos chamados zinedistas - invadir o templo de Anuep e libertar o demônio do Anti-Universo para unir-se à ele em uma nova onda de terror.
Martogh voltara de seu império, em uma galáxia satélite da Via Láctea, e pedira que os reis fossem atrás de Ütarash e seu exército e os derrotassem.
Atron e Liany arrasaram com noventa por cento dos zinedistas, mas Ütarash havia escapado. Martogh, sem ter notícia dos irmãos lemânticos, conseguiu prender Ütarash e transformá-lo em uma estátua, que no futuro seria conhecida como estátua Zidrah.
Voltou para Tarínia, capital de seu império, para achar um meio de destruir de vez Zonos, achando que Atron e Liany estavam mortos.
Mas não estavam e voltaram à Anuep meses depois. Contudo, Martogh jamais ficaria sabendo disso ou retornaria para a Via Láctea... Uma doença dizimou quase todos os maithens, restanto uns poucos espalhados pelo Universo afora...

Doze anos depois

A dura missão de guardar Zonos era realizada alternadamente pelos irmãos. Enquanto o demônio encarnado estava incomunicável no subsolo do templo de Anuep, um deles ficava verificando os equipamentos da prisão ou estudando na enorme biblioteca; ou ainda treinando no ginásio. O outro voltava para o ponto da galáxia de onde vieram, voltando ao antigo corpo, nas ruínas da cidade de Mégan, capital do antigo planeta turístico de Égon.
Era a vez de Atron K-Rosam’vev retornar onde um dia existira seu Império. Voltava disfarçado. Entre as ruínas da antiga cidade lemântica, pegava uma nave mercante comum e viajava para os planetas caídos na barbárie que se instalara com a queda de seu reinado e da ordem, ou para mundos de reinos oportunistas que não mais tinham de enfrentar a força lemântica ou a de Zonos.
Sem mais ninguém de sua espécie vivendo por aquela região, aparecer como ele era – um lemântico – podia causar muita confusão. Alguns adoravam os seres de Leman, a ponto de os considerarem deuses, e outros os odiavam, pois antes da queda do Império eram subjugados e tinham de seguir a Lei.

Desta vez Atron iria investigar uma antiga e próspera colônia chamada de Tarrent, que no futuro mudaria seu nome para Tevar. Estava a procura de uma forma de impedir a decadência dos costumes morais e da tecnologia nos planetas agora largados à própria sorte e ao mesmo tempo encontrar uma forma de destruir Zonos, livrando sua irmã e a ele próprio do pesado fardo de vigiá-lo.
Usava as roupas e a máscara de um mercador draki. Pousou na cidade-capital, Tevária, e logo olhava para os edifícios decadentes e as estradas cheias de entulho. Caminhou pela antiga e bela praça central, agora largada aos ratos, entre lixo e crianças tarrentianas sujas que bricavam na lama. A praça ficava em um platô de onde se via o resto da cidade litorânea na parte de baixo. Da amurada, observou triste que a maioria das edificações, outrora belíssimas, estava destruída ou danificada, do jeito que o último ataque da frota de Zonos deixou.
Descendo as escadarias imundas até a cidade baixa, andou entre os cortiços cheio de tarrentianos miseráveis, famintos e de olhares tristonhos. Segurou a raiva engolindo seco, enquanto lembrava da felicidade daquele povo de orelhas pontudas e cabelos cor-de-trigo, quando sob sua égide.

Mas Zonos e os zonoístas, seus seguidores, com suas naves-planeta poderosíssimas, arruinaram com tudo. Mataram milhões. Arrasaram com a galáxia inteira. Deixaram para trás, ao serem derrotados pelos maithens, bilhões como aqueles tarrentianos esfomeados.
A praia estava coberta de sujeira, algas mortas e restos de naves e embarcações. O sol muito amarelo de Tevar, Delta Majoris, pouco aquecia, estava frio. Era inverno naquela época do ano na região. Atron decidiu voltar à Tirênia, ao templo de Anuep, pois achava naquele momento que nada poderia fazer para ajudar seus antigos súditos.
Mas então algo o atingiu na cabeça. Atacado de surpresa, por trás, foi surpreendido por ladrões que o esfaquearam, arrancaram quase todas as suas roupas e tomaram seus poucos pertences.
Só de roupas de baixo, o antigo rei estava desfalecido na praia de areias amarelas. Seu sangue roxo passou a misturar-se com as ondas da maré que subia rapidamente. Uma tarrentiana aproximou-se e ficou em estado de êxtase.

Arrastou o lemântico até a casa de sua família com muita dificuldade. Seu pai era um pobre pescador e estava no mar, e sua mãe havia morrido no último ataque dos zonoístas. Era filha única, muito bela, tez alva, orelhas pontudas e cabelos loiros, parecia uma ninfa de olhos verdes.
Seu nome era Kim Kay-War.
A tarrentiana tratou de Atron e provavelmente salvou-lhe a vida. Quando ele despertou, horas depois, Kim sorriu-lhe e disse, dando-lhe de beber.
- Tome, é uma antiga receita de minha avó. Vai lhe fazer bem. Eu... Eu... Eu simplesmente não acredito! Encontrar um lemântico vivo! Pensei que não existiam mais!
O antigo rei bebeu e então recostou-se no travesseiro de penas.
- Um lemântico vivo graças à você. Obrigado... Seu nome é?
- Kim, da família de pescadores War e da casa de Kay. Você não devia estar aqui em Tarrent. O chanceler Adrin assumiu o governo do planeta há pouco tempo e tem dito nas transmissões que agora somos um povo livre e que os lemânticos nos oprimiam.
- O quê? Mas... Mas antes Tarrent era livre e próspera. Leman só mantinha a ordem, mas ajudava...
- Eu sei, eu sei, muito de nós sabem e sentem saudades do antigo Império Lemântico... Mas, como é seu nome, senhor?
Atron não podia dizer quem era. Tomou o nome de um antigo amigo emprestado.
- Argon. Argon X-Valet.
- Pois então, senhor Argon, o chanceler quer apenas se firmar no poder, cobrar impostos absurdos e largar o povo na miséria.
- Ajudarei seu povo no que for possível, senhorita War.
- Gostaria que me chamasse de Kim.
- Só se me chamar de Argon apenas. Ajudarei no que puder, mas preciso voltar à minha nave. Não tenho muitos recursos, mas farei o que estiver ao meu alcance.
Atron pensava nos suprimentos do templo de Anuep e no que poderia pegar para ajudar aquele pobre povo faminto. E poderia ainda liderá-los em alguma espécie de revolução.
- Está muito fraco, Argon. Além do mais há soldados do chanceler por todo o lado. Se o virem, é capaz de o executarem. Alías... O que aconteceu com você?
- Fui atacado por ladrões.
- Sim, isso agora é comum, não há mais segurança nenhuma por aqui...
Atron levantou-se com dificuldade, os cortes em sua carapaça foram feitos com facas-laser e doíam muito.
- Preciso mesmo ir, Kim. Se ficar aqui e for descoberto, pelo que me conta ponho em risco você e sua família. Obrigado pelas roupas, vou pagar por elas.
- Não será necessário, Argon, são roupas velhas. Vou ajudá-lo a disfarçar-se e irei com você até sua nave. Ela está no estacionamento da Cidade Alta?
Atron ficou de pé, mas estava atordoado e enfraquecido. Perdera muito sangue. Mesmo assim disfarçou-se bem, colocando a máscara draki.
- Já anoiteceu e acredito ser muito perigoso você sair agora. Eu sei me cuidar, Kim, mesmo assim agradeço muito sua ajuda. Eles levaram minha arma, pode arrumar algo com que possa me defender?
Kim Kay-War pegou um enorme facão de seu pai.
- Fique com isso. E tome muito cuidado, Argon. Vou vê-lo novamente?
Enquanto deixava a casa, Atron disse sem se virar.
- Espero que sim, tarrentiana. E espero trazer suprimentos... E esperança.

Subiu as escadarias agora desérticas na noite silenciosa. As quatro luas, uma de cada cor, projetavam sombras bizarras em meio as ruas decadentes.
Ouviu passos leves atrás de si enquanto caminhava, mas não se virou, apenas apertou o passo e pousou sua mão no cabo da peixeira.
A chegar no estacionamento, sua nave não estava mais lá. Não havia mais nave alguma. O local estava destruído. Ouviu vários passos cercando-o por trás e então sacou seu facão e virou-se, pronto para a luta.
Em torno dele, garotos tarrentianos sujos e de olhares tristonhos.
- Tem algo para comer, senhor? – Um deles pediu.
Atron relaxou. Ao ver aquele estado de miséria, não pode impedir as lágrimas de rolar. Mas ele não tinha nada além da peixeira e de roupas velhas.
Olhou em volta do lugar onde estava. Adiante das casas às escuras e edificações destruídas, uma mansão chamou-lhe a atenção. Bem iluminada e inteira.
- Quem vive ali, crianças? – Apontou.
Uma menina de olhos grandes e cabelos empastados respondeu:
- A prefeita, senhor.
Atron K-Rosam’vev suspirou. Olhou novamente a meia dúzia de crianças e então começou a subir a viela, decidido:
- Esperem aqui. Eu já volto. – Tornou a embainhar seu facão.
Bateu na porta trabalhada de dupla folha. Um tarrentiano com cara de poucos amigos, feio e de ar medíocre, atendeu e o mediu.
- Sou um mercador draki e gostaria de ter com a prefeita.
- Ela só recebe na prefeitura e em horário público. Amanhã pela manhã dirija-se ao edifício laranja na Praça Central e faça seu pedido de audiência.
E bateu a porta na cara de Atron, que não estava acostumado com tal tratamento. Com a paciência esgotada, ainda assim o igni controlou-se e sem fazer ruído contornou a mansão pelo jardim bem cuidado, item raro em Tevária.
Pode ver pelas vidraças das janelas ovais da face leste a sala de jantar. Ao que parecia, a prefeita e sua família já tinham jantado e havia muita sobra de comida à mesa. Atron pode perceber que não havia ninguém ali no momento e forçou a vidraça, que cedeu e abriu. Entrou silenciosamente e limpou todos os pratos e travessas, ainda com muitos alimentos, numa enorme baixela. Ia sair com a baixela quando foi supreendido por um soldado da milícia pública.
- Alto lá, mercador! Está invadindo a residência de sua autoridade, a prefeita de Tevária! Está preso! Fique onde está e coloque as mãos onde eu possa ver!
O soldado estava na janela. Devia estar patrulhando a mansão. Atrás de sua máscara, Atron sorriu. Ele sozinho já enfrentara hordas de zonoístas e não era um pobre militar tarrentiano que iria detê-lo. Mas não ia matá-lo, pois sabia que ele apenas cumpria seu dever.
Sabia também que a arma de raios laser que aquele soldado portava era limitada. Deixou a baixela na mesa e pegou uma travessa de alumínio reluzente com rapidez. Com ela refletiu a luz da sala de jantar na cara do pobre cabo, que disparou sem mirar. Atron fez com que o raio laser se refletisse na bandeja e voltasse no ombro do tarrentiano, que berrou e soltou a pequena pistola.
O igni correu até ele e o socou no queixo, colocando-o fora de ação. Tomou sua pequena arma e a examinou:
- Fraca, mas por hora servirá para uma defesa rápida.
Pegou a baixela cheia de comida, restos do jantar da prefeita, e saiu às pressas dali antes que alguém fosse checar o barulho.
Feliz, distribuiu a comida para os famintos, que devoraram o conteúdo da baixela em minutos.
Sabendo que estava preso em Tarrent até conseguir uma nave, voltou para a casa de Kim Kay-War. Pois não lhe ocorria ficar em qualquer outro lugar naquela noite fria, e não haveria meios de comunicar-se com sua irmã, no centro da Galáxia.

Três anos depois

Liany nunca encontrara Atron. No dia em que resolveu deixar Tirênia a procura do irmão que não voltara, fora capturada em Mégan por saqueadores piratas. Os fora-da-lei odiavam os lemânticos, que antigamente os caçavam pelo espaço, e assim executaram Liany, decapitando-a.
A sorte da igni foi que pouco antes uma dary também fora executada. Mas, assim como Atron perceberia depois, Liany não lembraria de todo o rito de transferência da alma, e seu espírito quase se perdeu.
Eles dispunham de apenas quinze minutos para a migração. Liany levou quase vinte. Já ia em direção à Luz, quando incorporou a dary, Arin Deris. Mas ela estava sem a cabeça, pois também fora decapitada. Contudo, o corpo receptor, que obrigatoriamente tem de estar morto e não pode estar em muito mau estado, regenera-se uma única vez ao receber a alma nova, seja de Atron ou Liany.
E assim, sem que os piratas vissem, a pobre dary arrastou-se até onde estava sua cabeça e a colocou no lugar. Então a pessoa que fora Arin Deris e agora era Liany, abriu os olhos e voltou a respirar.
A demora na troca de corpos fez com que boa parte da memória de Liany não fosse armazenada. Ela esqueceu-se da prisão de Zonos, de parte de sua missão e só sabia que podia trocar de corpo e fora uma rainha lemântica.
Mesmo assim, como uma dary de pele azul e olhos amarelos, recebendo parte do caráter e das memórias da Arin Deris original, Liany rolou para atrás das grandes caixas do saque e escondeu-se.
E escondeu-se mais tarde em uma das naves dos piratas, deixando Égon, sem mais lembrar-se de Tirênia, Martogh ou do teletransporte espiritual. Sem saber que ali começava uma busca por seu passado lemântico e o porquê de ter a habilidade de trocar de corpo e tornar-se quase imortal.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

A Guerra dos Impérios

Prólogo (parte I)

Atron apenas observava a paisagem desértica. O céu era de um verde claro com uma densa faixa de estrelas que o cruzava de norte a sul, de maneira estupenda, e a luz parecia vir de todo lugar. Mas nada havia até o horizonte além de areia e areia, de um vermelho estranho. Aqui e ali o vento rodopiava e o silêncio era completo.
- Venha, irmão, Martogh nos chama. – Liany avisou.
Atron deixou a imensa sacada para adentrar o fantástico templo de Anuep. Estava triste, ou melhor, estava arrasado. O incrível Império que seu avô construíra e que na terceira geração dos K-Rosam’vev dominava um terço da Galáxia havia acabado. Sua raça, quase extinta. De fato, até onde se sabia, apenas ele e sua irmã haviam restado dos bilhões de lemânticos que outrora povoaram seu império.

Martogh não era lemântico. Era um maithen. Uma enorme lesma que estava sobre uma pequena plataforma esperando os antigos reis de Leman.
Atron e Liany aproximaram-se do triskaj dos maithens, e este, pomposamente, ergueu-se. Em demanedo, a língua falada e escrita dos lemânticos, Martogh conversou com ambos de maneira telepática:
- Sei que ainda não se recuperaram do acontecido. Talvez nunca se recuperem. Sei que o único consolo de vocês é ver Zonos preso e todo seu poderio derrotado, destruído ou disperso.
Atron suspirou. Zonos, agora sabia, viera do Anti-Universo, era um anti-ser, um imperador negativo... Um demônio das antigas profecias e lendas.

Zonos formara um imenso exército que quase conquistara toda a galáxia da Via Láctea e adjacências. Derrotara o Império Lemântico, o maior da época no Universo Conhecido. Derrotara ele, o igni Atron, um imperador e rei justo e leal com seus trilhões de súditos de diversas raças e credos, espalhados por miríades de planetas. Derrotara sua irmã, imperadora e rainha, Liany, A Benfeitora.

E agora, da espécie daqueles seres humanóides altos, encorpados, cabeça ovóide e carapaça nas costas e braços, só restavam ele e sua irmã... Pelo menos era o que acreditavam naquele momento.

Atron K-Rosam’vev saiu de seus devaneios e pensou, olhando Martogh.
- Sim, é isso. Está tudo acabado agora, triskaj. Fomos derrotados, mas o senhor e seu Império Maithen destruíram o poderio de Zonos e agora o tem aqui, preso, em Anuep, na estrela verde Tirênia. E, creio, para o resto da Eternidade.
A transmissão de pensamentos também atingia Liany, que ouvia e compartilhara a conversa de seu irmão. Ela então tomou a palavra.
- Não há realmente meios de destruí-lo, majestade?
- Sinto, Liany. – Martogh prosseguiu telepaticamente em demanedo. – Até agora nada parece afetar o demônio encarnado. Nada no nosso Universo parece atingi-lo definitivamente e temo que ele passará o resto dos tempos preso aqui, constantemente vigiado. Por isso os trouxe à este templo, ignis. Ambos são os únicos que podem guardar a prisão de Zonos. Eternamente, se for o caso.
- Eternamente? Quer dizer, para sempre? – Liany estava assustada.
- Para sempre é tempo demais, rainha. – Martogh então desceu da plataforma e ficou bem a frente dos dois lemânticos. – Mas peço que o vigiem pelos próximos anos, talvez pelo próximo século ou milênio, até que achemos uma forma de destruí-lo. Se escapar, tentará vingar-se, e sabendo que não preza a vida de qualquer um em nosso Universo, acredito que irá tentar exterminar à todos.
- Concordaria com seu pedido, majestade. – Atron olhou para cima, imaginando que um lemântico não viveria mais que duzentos anos. – Porém deveria saber que é impossível. Nossa espécie não tem a longevidade dos maithens.
- Não, não tem. Porém ambos sabem como viemos até o centro da galáxia da Via Láctea. Pelo teletransporte espiritual. Suas almas deixaram seus corpos para trás em Égon e foram teletransportadas por 30.000 anos-luz até aqui, e fixadas em clones.
Liany olhou para o próprio corpo rejuvenecido, clonado, e concordou:
- Sim, sim... Então a ideia é que sempre mudaremos nossos espíritos para clones novos, quando ficarmos velhos, pela Eternidade e além?
Martogh mudou o tom de verde de seu corpo de lesma.
- Esta é uma possibilidade. Ou, quando estiverem morrendo, podem assumir o corpo de outro ser de outra raça, ou até mesmo de um animal superior. Dar-lhe-eis o dom da mudança espiritual para que cumpram a vigilância de Zonos. Eu mesmo poderia vigiá-lo, mas sabem que tenho de voltar ao meu império, tenho de voltar ao meu palácio em Tarínia, e ninguém além de mim pode cuidar adequadamente de meu povo.
Atron confirmou as palavras do triskaj com a cabeça.
- Sim, entendemos. Volte para o seu povo, grande mestre. Nós não temos mais um império ou um povo que nos acolha. Leman, nosso belo planeta capital, nada mais é agora que um planeta morto. Destruído totalmente pelas hordas bárbaras de Zonos.
- Ajoelhem-se e rezem ao Grande Deus e à Grande Deusa.
Assim o fizeram. Foi quando Martogh, o “filho-dos-deuses” como era conhecido entre os seus, concedeu o dom da mudança de corpos aos antigos reis de Leman, na esperança que vigiassem o demônio Zonos até que se descobrisse uma maneira de destruí-lo. Pois ele representava o mal propriamente dito.

sábado, 8 de maio de 2010

A Banda Mais Famosa do Planeta

A Banda Mais Famosa do Planeta

Amanheceu com uma chuva fina e fria, contudo Scott Lorenzo sentia-se tão disposto e cheio de energia como sempre. Conhecia a sorte de John Morelli Braccelli e não seria uma chuvinha qualquer que atrapalharia mais um show da banda mais famosa do planeta.

- Ajudem-me aqui com esses amplificadores. – Lorenzo era especialista em P.A., coordenava toda a parafernália de áudio da banda, dos amplificadores Marantz ultra-pontentes aos mixers Galaxy que ficavam na “ponte de comando”, o pequeno estúdio que controlava toda a parte sonora e visual durante os shows.

Os operários, trinta ao todo, posicionavam caixas, colocavam microfones e pedestais, pedais para as guitarras e o baixo, conectavam plugs e puxavam a enorme fiação no gigantesco palco em São Paulo, no estádio do Morumbi. O pessoal da iluminação colocava as luzes enquanto a equipe de efeitos visuais testava os telões 3D, os jatos de vapos de gelo seco e os lasers. Várias explosões estavam preparadas, principalmente quando a banda principal tocasse uma música do AC/DC, “For Those About The Rock (We Salute You)”.

Os portões começaram a ser abertos por volta das 10:00, embora o show só começasse com as bandas de abertura às 17:00. Mesmo assim, os telões já começavam a exibir shows antigos e clips das bandas que iam se apresentar, até mesmo da principal, marcada para começar às 21:00.

O gramado foi sendo tomado às pressas e as tietes mais afoitas posicionaram-se grudadas na frente do palco que continha uma passarela na parte de baixo. Tribos de todas as idades sentavam-se nas arquibancadas, cerveja era vendida aos litros, cheiro de haxixe rondando o ar.

Scott Lorenzo almoçou rapidamente por volta das 13:30 e admirou-se ao ver o estádio totalmente lotado, com o pessoal cantando junto as músicas que apareciam em videoclips nos telões gigantescos de alta definição e com imagens 3D. Sua equipe já parava para um descanso. A primeira banda a abrir o megashow, a curitibana Os Catalépticos, já passava o som. O tempo começava a abrir e Lorenzo sorriu sabendo que faria uma noite deliciosa para a apresentação do Única.

17:00 em ponto e fogos anunciavam, ao cair da tarde, o início do que prometia ser um espetáculo fantástico e inesquecível. A adolescente feinha abraçava o pai tiozão que não parava de olhar a bunda da amiga gostosa da filha. O punk radical que odiava a banda principal confraternizava com o nerd que sabia todas as músicas de cor. A fã incurável abraçava o poster de John Braccelli já preparada para ficar nua na hora que ele passasse cantando pela passarela abaixo do palco. A romântica fanática abraçava o namorado desmiolado imaginando que quando casassem ele seria como John, rico e famoso.

Os Catalépticos começou a cantar “River of Blood” mas foi recebido com certa frieza pelo público. Mas eles melhoraram a partir de “One More Tattoo” e finalizaram o show às 18:30, no bis, com “Freaks”. Vlad, Gus e Cox foram muito aplaudidos e saíram satisfeitos do palco.
Às 19:00 entrou o AMP, banda de rock de Recife, arrasando com “Ensurdecedor”, que começou com explosões ao entardecer em São Paulo. Capivara pulava no palco com sua guitarra, dividindo os vocais com Djalma, em uma loucura que levou o público ao delírio. “Devil’s Prize” não ficou atrás, e o show continuou em um frenesi que parecia levar a multidão ao orgasmo. Saíram do palco após “Last Try”, e Scott Lorenzo, fazendo os últimos preparativos para a entrada do Única, sorriu sabendo que eles não eram nada perto da maior banda do planeta, mas tocaram bem. O público pediu bis e finalizaram o concerto com “Ataque dos Aliens”.

Chegava a hora do Única entrar. O público ficava cada vez mais agitado, a ansiedade crescendo, eles cantando músicas da banda após os telões silenciarem. O nervosismo tomou conta de Lorenzo, correndo como louco para a banda não atrasar. Os lasers não estavam sincronizados e o canal do baixo estava falhando. O computador de efeitos visuais foi reprogramado e o cabo do baixo foi trocado às pressas, e exatamente às 21:05 o Única estava à beira do palco, na escada, apenas aguardando a entrada triunfal.

Tudo ficou quieto. Até o público calou-se, a expectativa era imensa. Silvia engoliu seco pulando agitada, Mário tremia de emoção, Jonas encoxou mais a namorada e Lilian tirou a franja dos olhos para ver melhor. Márcio caiu no gramado totalmente bêbado.

A conhecida imagem de um rosto estilizado surgiu em 3D, no meio do palco, projetada na cor verde em meio a densa fumaça de gelo seco. As mesmas palavras de sempre, que a vida vale a pena ser vivida e que todos deviam fazer amor o tempo todo, ditas com a voz grossa sintetizada de um apresentador famoso. Depois uma enorme explosão. Fogos iluminaram a noite de São Paulo e o êxtase da pláteia deu lugar ao Única: o performático John Braccelli nos vocais, com seus cabelos loiros curtos e espetados e seus olhos verdes enigmáticos, Gilberto Loredo como guitar leader, cabelos negros encaracolados e olhos castanhos nada comuns, Sthephanie Bragança Braccelli, a mulher vocalista e guitarrista de John, uma loira exuberante de cabelos escorridos até a cintura, olhos azuis impossíveis, roupas colantes e guitarra cor-de-rosa, a japoneza Tonya Suziaki nos baixos, sempre com sua mini-saia branca e seu instrumento branco com o símbolo japonês da paz em preto, o filho do famoso Tom “Bum” Bunker como baterista, Tom “Bunker” jr., cabelos pintados de azuis até os ombros e porte atlético, usando camiseta de renda preta; a deusa dos blues que entrara este ano no Única, no piano, teclados e vocais, a belíssima negra Suzette Dempsey; nos teclados e sax nada menos que o famoso chinês Lee Chang e seu bigodinho mágico, e finalizando a polêmica morena de olhos cinzas na percussão, que por muito tempo apresentara-se totalmente calva, Anna Catsmann.

Começaram de forma arrebatadora, a bateria de Tom jr. compassada com o baixo de Tonya e o piano ritmico de Suzette, na deliciosa “Tonight is the only Night”, onde John começou cantando rápido entoando o refrão “You‘re my girl forever, but only tonight”, e o público cantava junto berrando, algumas se descabelando, outras chorando e pulando, histéricas, os rapazes invejando John que se requebrava sensualmente no palco, com sua camiseta branca com estampa do símbolo da banda, o leão alado, e a calça de couro colada ao corpo exibindo uma mala considerável.

Emendou “Sweet Little Rock and Roller” com o sax de Lee e os riffs inalcansáveis de Gilberto em sua “Helena”, a famosíssima guitarra Fender Stratocaster negra com detalhes cromados. O final foi sensacional e Tom jogou as baquetes pelas costas enquanto o público berrava alucinado. John gritou um “thanks” e mandou beijos.

Com o público berrando “Única, Única!”, o ritmo diminuiu com o blues “Roadhouse In My Heart”, fazendo Suzette esmerilhar no piano em cima da voz às vezes grave às vezes aguda do sensacional John Braccelli, que logo cedeu a vez à um solo de guitarra bem blues de Sthephanie, que molhava a plalheta na língua de modo muito sensual. Mau o público aplaudiu, entusiasmado, o final da música, John berrou um breve “Obrrigadu, thanks, muchas gracias” e começou a pop rock “Is There Something You Should Know”, na batida eletrônica e nas peripécias tecladistas de Lee, no piano elétrico assumido por Suzette, no baixo bem tocado de Tonya e Sthephanie fazendo com Anna o backing vocals. John dando pulos e andando por todo palco emendou “Hungry Like a Bear”, com o solo do baixo de Tonya fazendo o público aplaudir junto pulando sem parar, e finalizou a sequência com “Boys on Film”, o hino gay que de modo esperto John cantava já sem a camiseta, mostrando os músculos bem definidos e a barriga tanquinho. A platéia berrava o refrão de modo enlouquecido e a música acabou entre fogos e explosões.

Uma voz sintetizada disse “Única” bem lentamente enquanto o nome da banda aparecia nos telões, e os lasers verde-azulados entre o gelo seco tornaram a atmosfera densa. John surgiu vestido com outra camiseta, desta vez toda vermelha, e calça jeans bem velha. Sthephanie veio com seu violão de estrelas e uma mini-saia brilhante, Gilberto, todo de terno e gravata, de volta com a “Helena” e o resto da banda com outras roupas exceto Tonya, que não mudava o visual branco. Iniciaram a linda e suave “Save a Little Prayer For My Soul”, com o compasso lento de Suzette ao piano acústico emoldurando a voz de John doce e serena. Traduzindo:

“Reze ao entardecer, reze ao amanhecer, reze uma pequena prece por minha alma, pois agora eu estou perdido, perdido entre incertezas, perdido entre drogas, perdido para sempre, mas eu ainda te amo, e não sei o que fazer”

As garotas, mulheres, garotos e homens choravam balançando seus isqueiros piscantes, rapazes pegavam-se cantando o refrão a pleno pulmões, o velho roqueiro bebendo mais uma cerveja, a garota quase desmaiando. Ao final a histeria era enorme. John logo começou outra romântica, “Where Are We Now?”, e em certo momento a banda parou de tocar e ele cantou sem apoio, com todos na platéia cantando com ele, e foi quando apenas regeu e cada um cantava com alegria no coração, lágrima nos olhos e sentindo que nada mais havia no mundo além daquele estádio, e nada mais importava além de estar ali com amigos cantando canções que te levavam ao prazer de um modo único.

Aplaudiram. Aplaudiam e gritavam e John soltou um “Thank You, Obrigaaaaduuu Brazil!”. E esperou o público recuperar-se e acalmar-se.

Então de costas para a platéia gritou “One, Two...” e a banda começou “Modern Times” e ele “I Want to believe in love” no refrão, e finalizando a música entre berros “Let's live there is to live!”. Sensacional. Antes do público acalmar começou “House” cantando “First it was vertigo, like any passion...” deixando Gilberto fazer um longo solo de guitarra, e houve desmaios na platéia com seus riffs arrasadores. John cantava “Light on, waiting at the gate...” e o show seguia em uma alegria e gritaria geral, todos cantavam junto e conheciam todas as músicas, de albúns fantásticos como “The Golden Shower” ou “A Little Beat from My Heart”.

O ápice estava chegando. Iniciando apenas com o baixo de Tonya, “Totally Numb” arrasou, mulheres se despiam, homens gritavam, desmaios e histerismo tomava conta do Morumbi. “Crawling Sensation” deixou todos possuídos, e cada vez que o refrão chegava, John deixava o público cantar. Todos estavam em uma união onde não havia brigas, ódio, preconceito, somente a música. Não havia religião, raça ou nação, eram apenas homens e mulheres cantando o amor, a vida, a paixão, o que fosse, mas todos estavam se sentindo como se algo realmente valesse a pena. John os fazia sentir assim.

Mais para o fim do show, a sexual “Pistol Of Love” terminou com John fingindo um orgasmo e molhando a platéia próxima com borrifos de água, ótimo refresco no terrível verão brasileiro. A histeria era completa. Uma garota conseguiu subir ao palco e agarrar John, tentando beijá-lo e sendo levada por seguranças enormes, esperneando.

Sthephanie brincou ao microfone, em português bem brasileiro pois era a sua nacionalidade:
- Parem de agarrar meu marido senão jogo minha guitarra em vocês, suas malucas! – E tirou vários acordes de sua Gibson cor-de-rosa. Começou então a cantar “Big Girls Don’t Cry” fazendo um cover da Fergie, e as garotas a acompanharam no refrão. John ria e pegava calcinhas jogadas no palco à la Wando, jogando-as de volta.

Quando Sthephanie finalizou e foi aplaudida com veêmencia, John aplaudiu também e depois foi até ela e a beijou na boca, tirando vaias das mulheres e aplausos dos homens.
- All right, fellows. All right. I’m very happy to see Morumbi totally full tonight. Thanks for coming! – John pulava como se estivesse sendo atacado por pulgas. Desceu a passarela embaixo do palco, próximo ao povo que tomava o lugar, e levou todos à loucura.

Começou a explosiva “Highway Eternal” e no refrão quase se jogava ao público: “Nobody will ever reach me”, e então veio o solo de teclado de Lee, seguido do duelo fantástico de guitarras de Sthephanie com Gilberto. Uma parada e Tom jr. mostrou que herdara do pai o talento na bateria. A música deu uma acalmada e o público batia palmas acompanhando o bumbo de Tom, depois o baixo de Tonya, mais tarde Anna nos atabaques, tamboretes e bongôs, e um solo quase blues de Gilberto que foi em um crescendo até virar um rock sincopado, quando Sthephanie entrou gemendo com sua Gibson. Subitamente o ritmo novamente diminuiu e entrou o piano acústico conduzido por miss Suzette e em seguida a voz arrasadora e aveludada de John, que parecia falar direto ao coração das garotas que caiam uma a uma, e até os garotos engoliam seco. Aumentou a velocidade da música até o refrão, e tudo foi crescendo, as exibições performáticas, as explosões e os lasers até um final apoteótico da música executada com vários improvisos em deliciosos quinze minutos. Todos gritavam, aplaudiam, berravam, alucinavam.

A banda então despediu-se rapidamente e sumiu e o palco ficou escuro. Hora de comprar cerveja, fumar o que desse, relaxar, comentar o show, namorar. Mas logo estavam todos gritando “Parou porque, porque parou?” ou “Única, Única!” ou ainda “John, John, John!”. Os berros foram ficando cada vez maiores.

No backstage, John foi dar uma mijadinha, Sthephanie e as mulheres retocar a maquiagem e trocar de roupa, Gilberto beber um pouco de tequila, Tom arrancar um beijo de Anna. Verificaram o set list e combinaram de alterar a última música do bis.

A cartase foi geral quando John surgiu sozinho e ficou olhando sorrindo para a platéia. Falou sereno: - For Those About The Rock, We Salute You. – E a gritaria foi ensurdecedora. E todos da banda entraram e executaram o som do AC/DC, que atordoava com arranjos de piano elétrico e teclado, duas guitarras e percussão. Ao final John pulava como louco: “Shout!” e um canhão laser emitia um pulso ao céu da noite estrelada e ao mesmo tempo fogos explodiam em várias cores, deixando todos boquiabertos. “Shout!” e novamente o Morumbi estremecia. “Shouuuutttt!” e John ficou apoplético de tanto gritar no final estonteante da música, e o estádio parecia vir abaixo!

A reação atordoante da platéia não foi pouco, mas John não perdoou e mandou “Sweet Child O’Mine” do Guns com Sthephanie como guitarrista solo e Gilberto pegando sua guitarra cinza e fazendo a ritmica. E para surpresa de todos, foi a própria Sthephanie que começou cantando. Cantava acompanhada da voz do público com sua guitarra cor-de-rosa, e John pulava como a um doido de um canto a outro do palco, e depois provocando as tietes andava rebolando pela passarela. Arrancou beijos de língua de fãs e uma maluca apareceu totalmente nua na passarela, levada se debatendo pelos seguranças guarda-roupa.

Depois do solo de guitarra, John e sua mulher cantaram juntos até o final agraciados com berros histéricos e aplausos mil.

- Thank you, people, thank you so much!
- Obrigada! Obrigada, galera!

E John preparou a última da noite inesquecível.

Só ficaram ele e Sthephanie no palco. Ambos sentaram-se em banquinhos e pegaram violões. E começaram a cantar sincronizados sorrindo um ao outro. O público não se conteve. A música escolhida foi o sucesso máximo da banda, que parara de cantá-la porque o público entrava em um estado de histeria máxima e chegara a invadir o palco em vários shows anteriores. Mas eles decidiram mesmo assim cantar “There is One Angel for Every One”

Todos cantaram juntos. Cada um, seja o vendedor de cerveja, os seguranças, o guardinha ajudante de palco, todos cantaram cada sílaba de cada estrofe da música perfeita, onde cada palavra tinha o sentido do todo e toda a melodia fazia cada um ali presente sentir-se especial, sentir-se protegido, e todos percebiam a presença avassaladora de alguém único, um Todo Poderoso para quem a música servia de comunicação.

O final foi... Não existem adjetivos para qualificá-lo. Mas todos, todos mesmo, choravam e se abraçavam, e a banda fazia reverências debaixo de uma chuva de fogos enquanto a gritaria e os aplausos eram ensurdecedores.

Foi o maior show da banda mais famosa do planeta.

sábado, 24 de abril de 2010

Atrasar um pouco

Estou escrevendo o conto "Kyra e o Fim do Mundo" para o concurso do site www.contosfantasticos.com.br e outro para o concurso da FLIP que acontece em Agosto, então não deu para começar minha mini-série do Viajante ainda, mas aguardem!

E pretendo melhorar a "cara" do meu Blog, mas com tanto trabalho não consigo nem montar o computador novo que chegou ontem e ainda está na caixa!

Parece que o dia não rende. Eu quero escrever mais, etc, etc, etc mas não consigo!

P.S. Estou lendo "O Símbolo Perdido" do Dan Brown e gostando para valer! Mais tarde comentários aqui no Blog, que alías eu preciso melhorar.

Desculpem. Meu Blog está parecendo um página de classificados de jornal de terceira.

Blog de referência lindos mesmos são os da querida Lorna, especialista, e o Rubber Soul da Marisa, não só bonito mas gosto dos comentários e artigos dela.

Beijos para as Mulheres e Abraços para os Homens

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Nova Série no meu Blog

Acompanhem a partir de hoje a série "Crônicas de Um Viajante Estelar" sobre um casal que viaja pelo Universo com seu iate estelar, em mini-capítulos semanais

terça-feira, 20 de abril de 2010

Raiva

Vocês já perceberam o trabalho imenso e muitas vezes sem resultado quando você tenta: a) cancelar um serviço b) reclamar de um serviço c) alterar um serviço?

Só entre a semana passada e esta precisei reclamar que não recebi um exemplar de 4 rodas na Editora Abril. Queriam adicionar um exemplar a mais no fim da assinatura. Eu disse que não! Primeiro que já houve uma outra vez que reclamei e disseram a mesma coisa e nada de exemplar a mais, segundo que faço coleção, por erro e incompetência deles eu tenho que comprar na banca? Para que assinar? Só sei que não vou renovar a assinatura. Façam o mesmo!!!

O seguro do meu carro, ao renovar, aumentaram 63% sem motivo (não usei!). Achei outra seguradora, por preço condizente e franquia bem menor. E quem disse que consigo falar na seguradora atual para cancelar o anterior e mudar???? O sistema está fora do ar, ninguém atende... Anotem aí: seguradora do Itaú, Itaú seguros.

Um dos meus seguros de vida aumentou 80% sem eu mudar de classe de idade, sem motivo nenhum, e ainda tinham mandado um aviso de renovação de 5%, que não cumpriram. Mandei cancelar na hora. Mas perdi um tempão. Seguro de vida do Mastercard.

A Telefônica aumentou o custo do telefone fixo em 43% em janeiro, sem avisar, e ainda eu tinha plano ilimitado que agora passou a 300 minutos, e ninguém usa o telefone fixo, e cobram execedente de minutos. Aí virou piada. Não consigo reclamar com ninguém!!!! É um tal de passa para um, passa para outro, ninguém sabe, ninguem viu, cai a ligação... Essa estou preparando para entrar com um processo, gravando cada ligação telefônica para eles. Vou reunir o máximo de provas e informações e conto com a ajuda de um excelente advogado.

Código do Consumidor? Isso é piada. Agora experimenta deixar de pagar para ver como funciona direitinho o serviço de cobrança deles.

Decidi agora gravar cada ligação que faço, e divulgar cada empresa que presta lixo de atendimento e serviço, pensando que a gente é burro. E cancelo tudo que faz um A contra mim.

Se o pessoal se reunir, consegue derrubar essa corja destas empresas que são puro lixo e que deviam era falir. Se mandinga resolve, já comprei a galinha preta para o serviço.

Desculpem a raiva!!!!

sexta-feira, 9 de abril de 2010

Amiga Virtual

AMIGA VIRTUAL

Eu gosto de Internet. Atualmente quem não gosta? Passo horas na frente de um micro. Adoro teclar. Chats, e-mails, blogs, web pages do mundo todo...
E foi num dia comum que liguei meu micro, entrei mais uma vez na rede e fui dar uma olhada nas dezenas de e-mails que recebo diariamente...spams...propagandas...piadas engraçadas e sem graça...tudo normal, exceto por uma única mensagem que dizia:

“Diego, estou muito sozinha e gostaria de falar com você”

Era um e-mail sem remetente (!) e sem assunto (!), mas a pessoa sabia o meu nome. Assustei-me, afinal podia ter algum vírus ou algo assim, eu nunca havia recebido um e-mail sem remetente! Como eu responderia? E quem gostaria de falar comigo? Eu estava sem namorada há meses, desde a formatura eu havia perdido contato com meus amigos...e amigas... Então, de quem era aquele e-mail misterioso? De quem poderia ser?
Fiquei um tempão matutando e resolvi clicar em “Responder ao Remetente” no meu gerenciador de e-mails. Escrevi:

“Quem gostaria de falar comigo?”

E remeti. Não precisei esperar muito (o que foi estranho), e menos de dois minutos depois, ao clicar no “Enviar e Receber”, a resposta apareceu (ela devia estar on-line).

“Meu nome é Cristine. Você não deve mais se lembrar de mim, mas às vezes eu o vejo em seu trabalho, em sua casa... Estou com saudades e estou sozinha. Quero conversar com você”

Mandei-lhe outro e-mail, perguntando-lhe se não tinha algo como o MSN ou Skype ou outro software para conversarmos on-line. Seria bem melhor que ficar trocando e-mails o tempo todo. A resposta também veio rápida (o provedor dela devia ser o mesmo que o meu e não devia haver muito tráfego):

“Sinto muito, já foi difícil conseguir lhe enviar alguma coisa, e para falar a verdade não entendo muito de computadores. Só quero conversar, Diego”

Sorri para mim mesmo e resolvi que devia conversar com ela, mesmo daquele jeito inusitado:

“Cristine, desculpe não me recordar de vc. De onde tcls?”

Não esperei nem um minuto para receber a resposta:

“Por favor, não entendo muito de internet, não abrevie as coisas nem use termos técnicos. Onde estou agora? Próxima de você... Mas isso não importa. Sabe, acho você uma pessoa sensível, inteligente, tem ótimas idéias... Você é tímido, mas se falasse com os outros, respirasse fundo e dissesse tudo o que pensa, seus colegas te respeitariam. Mas você é carrancudo, mau-humarado, e se afasta... A vida não é um quarto escuro com um computador, um escritório com ar condicionado e você, engravatado, tomando café com um colega falando mal dos outros. Não é você não dormir pensando nas dívidas, ou invejando o colega que tem um carrão novo. Diego, pense. Você é feliz? Você não acha que viver é ser feliz a maior tempo possível?

Estremeci na cadeira diante da tela do computador. Como ela sabia tanto de mim? E ela havia dito, ops, escrito, que às vezes me via em casa e no trabalho. Como? Quem é essa Cristine?

“Me responda: quem é você? Como sabe tanto sobre mim? E do que você está falando?”

Confesso que hesitei antes de clicar o “Enviar e Receber” a segunda vez, para receber sua resposta. E lá estava ela:

“Tente relembrar: uma antiga amiga de infância. E sei sobre você porque, como você foi um grande amiguinho meu, resolvi lhe visitar. E te conhecer melhor. Descobri que você é um grande cara, mas está escondendo isso. Você é muito negativo, pessimista. Acha que tudo vai dar errado. Mas tem ótimas idéias. Tem potencial. Mas você não vive direito! Pois, Diego, eu lhe afirmo que a vida, que lhe foi dada por Deus, é para ser aproveitada. Ora, com isso não quero dizer que você deva largar tudo e viver sem responsabilidades, isso não. Mas também apenas se preocupar, trabalhar apenas pelo dinheiro, estar sempre achando ruim as coisas que lhe acontecem, isso é vegetar. Falar mal dos outros, que horror: você tem defeitos também. Viva mais despreocupado! A vida é uma só! Viaje, faça o que gosta, dance na chuva, faça amor, beba um vinho (pouco!), enfim, aproveite!! E se algo der errado, dê um berro e depois sorria e fale: podia ser pior. A vida é curta e é para ser vivida, e para se passar com mais prazeres e felicidades do que tristezas!

Eu não me lembrava de nenhuma Cristine, mas o que ela escrevia fazia certo sentido, mas eu estava vacinado: recebia tantas mensagens como aquela, apresentações com mensagens e figuras bonitas, correntes, que aquilo tudo não me afetava. Escrevi:

“Cris, caia na real. Estou num projeto grande e meu gerente diz que se não ficar pronto até a semana que vem a equipe inteira será despedida. Eu vou ficar sem emprego! Como vou pagar minhas dívidas? Se eu sair berrando por aí e dançando na chuva vão me chamar de louco. Fazer amor com quem, se estou sozinho, sem namorada? Olha, estou estressado, desanimado, o aluguel subiu, meu time perdeu e o governo só faz coisas que me deixam nervoso. Não gosto de vinho e meu melhor amigo me deve uma grana e não paga, que merda de vida! E você com essa estória louca...”

O e-mail dela chegou rapidinho:

“Diego, diego, meu amiguinho, você era mais feliz quando era pequeno e nos conhecemos, não era? Brincava ao Sol, ria, era ingênuo... Se você perder o emprego, é claro que pode se endividar, mas vai morrer por isso? Pode ser que arrume coisa bem melhor... Deus fecha uma porta e abre outra, e se você não estiver olhando... E se te acharem louco, pirado, o que isso tem de ruim? Desde que você não atrapalhe ninguém, não mate ninguém... E você já pensou em se vestir melhor, se arrumar melhor, ser uma pessoa simpática e bem humorada que cumprimenta a todos? Logo vai surgir alguém na sua vida, mas não seja tão exigente: pode não ser a mais bonita ou a mais inteligente... Mas se for uma grande companheira, que é sua cúmplice, que faz você feliz, que você se sente bem em cuidar dela? Seu time perdeu, e daí? Pense: o que está errado contigo? Se você é negativo, atrai coisas negativas... Ah, e quanto as dívidas? Faça só as necessárias! Bem materiais? Só aqueles que lhe dão algum conforto e prazer: status não serve para nada. Já comprou algo caro com muito status que está agora jogado em algum quanto e lhe deixou com um gosto amargo na boca logo depois de comprá-lo? Quando você morrer, você não vai levar nada, meu amigo. É claro que se você tem herdeiros, é sábio deixá-los amparados, mas só o suficiente para se virarem. Entendeu? Deixe de ser burro! A vida só é vivida uma vez! Seu bobo, solte-se e faça a maior parte do tempo o que lhe dá prazer!

Respondi-lhe meio confuso com tudo aquilo:

“Sabe, você parece me conhecer muito bem. Quero vê-la, falar com você pessoalmente”

O e-mail dela veio em seguida:

“Acho que vai demorar um pouco, mas vamos nos encontrar. E eu lhe conheço bem! Sei, por exemplo, que você é muito egoísta! Eu lhe falei em fazer coisas que lhe deixam feliz a maior parte do tempo, certo? Pois bem! Faça isso, mas nunca, de modo algum, prejudique alguém no processo. Nunca machuque alguém! E ajude os outros e você verá o quanto isso é prazeiroso. Ah! Não queira receber as glórias por isso. Já haverá Alguém lhe observando e lhe julgando. Sabe, tudo que falei é fácil de fazer quando você começa. Então vá a luta! Viva para si e para seus colegas!”

Escrevi, ainda desconcertado:

“Tudo que você me disse é muito bonito e vou tentar realizar. Mas tenho medo. Tenho medo de ser ridículo. Não durmo a noite pensando no que meu gerente me fala, me pressionando o tempo todo. Não me dou bem com meu vizinho! O que eu faço? E você, gostaria de saber como você é. Vamos falar de você!”

Aguardei ansioso seu e-mail de retorno:

“Mande seu gerente a merda! Procure outro emprego, você é capaz, ficar aí sendo pressionado! Quando você morrer, tudo isso não vai ter importância nenhuma. E converse com calma com seu vizinho, tente ficar amigo dele... Às vezes é só um mau entendido e falta de conversa. Não tenha medo de ser rídiculo! Viva! O que os outros pensam não vale nada, exceção, claro, o que pensa sua amada... Você vai encontrá-la. Quanto a mim, estou bem, mas gostaria de ter tido a suas chances! E se você está pensando em minha aparência física, bem, acho que não sou seu tipo... Sou uma amiga! Mas nos encontraremos e você entenderá tudo. Bem, preciso ir agora. Mas mantenha sempre esta frase em sua cabeça: a vida é curta e Deus nos fez para sermos felizes e fazermos os outros serem felizes.

Estremeci. Queria conhecer essa tal de Cristine:

“Não vá! Onde você está? Eu vou até aí! Quero conversar com você pessoalmente!”

“Sinto muito. Estou perto, mas estou longe, muito longe... Tchau, preciso ir”

Cliquei tanto o botão “Enviar e Receber” que quebrei o botão do mouse. Quem seria essa Cristine? Fiquei mais duas horas, saía, comia, bebia, voltava e procurava ver se havia algo, mas nada da Cristine. Cristine! Cadê você? Como você sabe tanto sobre mim?
Já exausto, onze da noite, fui (tentar) dormir, pensando no trabalho de amanhã. Cristine? Outra que me deixou, pensei.
E naquela noite dormi como um anjo. Dormi profundamente, e devo ter tido belos sonhos, mas não me lembrei de nenhum quando acordei, já quase oito, perdendo hora.
Resolvi não ir trabalhar. Cristine estava certa, e naquele dia resolvi só fazer coisas que eu gostava, como ouvir música, ir nadar, caminhar, ler... Conversar com antigos colegas... E decidi que no dia seguinte, ao ir trabalhar, teria uma longa e sincera conversa com meu gerente, expondo inclusive ideias antigas que escondia de medo de rirem de mim!
Iria também perdoar a dívida de um amigo na pior, ser voluntário de alguma coisa, escrever sobre algo que ajudasse alguém...

Enquanto tomava o café da manhã, feliz, alegre por minhas decisões, lembrei-me de súbito de Cristine. Ela era minha amiguinha do primário. Sempre amigos! Mas...Arrepiei-me até o fundo da alma. Ela havia morrido aos doze anos num acidente de carro. Larguei a xícara que caiu, quebrando, no chão. Tremia como vara verde. Engoli seco.

Corri ao quarto do computador. Ele não ligava! Suando frio, olhei atrás do móvel: a tomada do computador estivera desconectada o tempo todo!

Tragédias

Gostaria de poder fazer mais do que só enviar donativos e rezar à essa gente sofrida das últimas tragédias do Rio e Niterói.

Pensei até mesmo em ir até lá e ser um voluntário, porque sinto uma dor no coração ao ver o que aconteceu, mas minha família não deixou, tudo bem, não tenho a força física que queria ter, eu só iria atrapalhar.

Se pensamentos positivos e força espiritual adiantar de alguma coisa, pelo menos isso eu posso fazer. Que o Deus e a Deusa do Universo cuidem daqueles que estão lá agora e acolha os mortos bem no Além Universo.

Sentimentos tristes. Um minuto de silêncio

sábado, 3 de abril de 2010

A Churrascaria (Parte III - Final)

Ouviram automóveis.
- A estrada, Tel! Força, se a gente chegar na estrada a gente se salva!
Apesar de não conseguirem vê-la, ouviam os carros e caminhões cada vez mais perto na movimentada rodovia.
Um último arbusto vencido e subiram por um barranco de terra até o acostamento da estrada. Os veículos passavam zuinindo e o casal fez sinais e pulou, mas ninguém sequer diminuiu a velocidade.
- Tel, eles não vão parar. Vamos correr até um outro posto.
- Eu vou me jogar na frente de algum carro, Di. Ou então vou levantar o meu top e mostrar os peitos que alguém para, ah, se para!
- Não diga bobagem. Vamos!
E correram pelo acostamento. Avistaram um posto da Polícia Rodoviária e contentes apertaram as passadas.

Ofegantes explicaram aos solícitos guardas rodoviários tudo o que viram e ouviram. É claro que não acreditaram e um deles chegou a fazer teste do bafômetro tanto em Adilson quanto em Telma.
O tenente Villar finalmente concordou em pelo menos verificar a churrascaria.
- Subam na viatura. Eu sempre almoço no El Corazon e nunca soube de nada errado, a carne que servem lá é picanha, cupim, coração de galinha...
- Por favor, seu guarda, - Telma estava totalmente aflita - eu vi uma mulher sendo assada na churrasqueira, eles comem mulher lá!
Os outros guardas explodiram em risadas. O tenente Villar demonstrou paciência.
- Não se preocupe, cidadã, vamos averiguar.
A viatura parou no estacionamento lotado do El Corazon. Todos desceram. Telma estava relutante.
- Eu não quero voltar aí.... Chamem os meus pais!
- Eu vou com eles, Tel. Olha, seus guardas, vamos primeiro falar com os pais da minha namorada e ver se tá tudo bem, certo?
Villar e os outros dois policiais concordaram e os quatro entraram na churrascaria cheia de gente. Adilson avistou Jorge e Elza. Chegou até eles, nervoso.
- Eu explico depois. Por favor, saiam. A Telma está lá fora no carro de polícia.
Jorge ficou extremamente irritado e colocou-se de pé, apontando o dedo em riste para Adilson.
- O que você aprontou? Se machucou minha filha eu te mato!
- Calma, doutor – disse Villar. E contou tudo o que Adilson e Telma lhes dissera.
- Isso é um absurdo completo. Adilson, você deu drogas à minha filha?
Elza levantou-se e segurou os braços do tenente Villar.
- Nós nem almoçamos ainda. Estávamos aqui nervosos esperando esses dois que nunca voltavam. Estamos aqui à horas, o gerente saiu à procura deles. Será verdade essa história absurda?
- Claro que não, esses dois aprontaram alguma! – Jorge já gritava.
Villar fez um sinal e os outros dois policiais seguiram-no, as mãos segurando o cabo das armas no coldre.

Chegaram ao quintal da churrascaria. Não havia nada lá. Verificaram tudo. Um dos policiais checou a cozinha, outro experimentou as carnes.
Voltaram e sentenciaram aos pais de Telma e à Adilson:
- Não há nada de anormal aqui. Nada! Rapaz, quero que você e sua namorada me acompanhem até o posto, que quero interrogá-los. Essa brincadeira vai custar caro à vocês! Venham!

Dois dias depois e Telma acordou de um pesadelo. Lavou o rosto, escovou os dentes e desceu tomar café da manhã, já estavam em casa depois dos problemas e da longa viagem de volta.
- Ainda bem que você está de férias, né, filha? – Disse Elza ao servi-lhe o leite.
- Ainda bem, mãe. Não ia ter saco para ir à faculdade depois de tudo.
Elza saiu da cozinha. Telma passou geléia no pão e o devorou, ficara dois dias sem comer e estava faminta.
Seu pai entrou sorrindo.
- Bom dia, filha, tudo bem?
- Sim, pai. O Adilson ligou? Desde que voltamos ele não me liga.
- Ele está bem pertinho de você, agora, filha.
- Hein?
- Gostou da geléia?
- Eu... Gostei, tem um gosto diferente.
- Pois é. Essa geléia foi feita do cérebro do seu namorado. Em bem que disse que ele tinha o miolo mole.
Telma deu um pulo, cuspiu e teve ânsias. Olhou seu pai, chocada.
- Como? Pai, não brinca...
- Não é brincadeira. Veja ali naquele vidro em cima da geladeira.
Telma olhou aterrorizada o vidro enorme sobre a geladeira. A cabeça de Adilson, sem seu cérebro, olhava para ela com os olhos arregalados.
Seu grito foi de gelar o sangue. Ela desmaiou.

Quando acordou, estava amordaçada. Estava amarrada em sua cama.

Seu pai entrou com um açougueiro gordo, com o avental sujo de sangue e segurando dois enormes facões.
- Veja, Telma, este é o dono da El Corazon. Ele ensinou eu e sua mãe a apreciarmos carne de primeira. Seu namorado rendeu um belo churrasco.
Telma tentou soltar-se e gritar, mas estava bem presa e amordaçada. Ela começou a tremer violentamente.
- Bem, sr. Ruffinno, quero-a bem fatiada. Meus amigos vem para a churrascada amanhã e eu e Elza queremos serví-la mal-passada.
- Pode deixar. Já preparei a churrasqueira e meu churrasqueiro vai salgá-la bem, nós a assaremos viva em sal grosso.
- Adeus, Telma. Tente relaxar enquanto é cozinhada, senão sua carne fica muito dura.
Seu pai saiu e fechou a porta. Ruffino desamarrou-a.
- Tire suas roupas. Não dá para assar você de roupas. Se ficar calma morre mais rápido e não sofre tanto.
Telma mostrou-se passiva e fez que ia tirar a blusa. Mas virou-se, e com rapidez tomou um dos facões de Ruffinno e meteu-lhe no estômago.
- Morre você, filho-da-puta! – E enfiou-lhe o facão várias vezes. O açougueiro titubeou.
Então, para completa surpresa de Telma, ele se recompôs. Tirou o facão enterrado da barriga. – Tsc, tsc, tsc. Que feio. A comida querendo matar o cozinheiro.
Telma começou a chorar:
- O... O quê é você? Você não pode estar vivo, não pode!
- E não estou. Nem seu pai, nem sua mãe. A churrascaria El Corazon é o local de reunião dos zumbis carnívoros. Nós já morremos, mas um vírus nos fez levantar dos túmulos e viver de carne humana. Só a carne humana nos alimenta.
- Não... Não, por favor, não... É um pesadelo...
- Sinto muito, querida, mas não é. E não vou ficar discutindo com a comida. Agora, se for boazinha e despir-se, tudo fica mais fácil...

FIM

domingo, 28 de março de 2010

A Churrascaria (parte II)

A Churrascaria (parte II)

Devagar, Adilson foi afastando as folhagens avançando mais para os fundos do grande terreno da churrascaria, puxando Telma pela mão. Tentou segurar a respiração acelerada e sentia que sua namorada estava tremendo.
Os gemidos e murmúrios de dor ficavam mais fortes a cada passo. Adilson engoliu seco. Telma segurou forte a mão do namorado.

Ouviram, estarrecidos, uma voz grossa dizendo:
- Essa aqui ainda tá viva, parece que não morre. Tapa a boca dela, que eu não aguento mais ficar ouvindo choradeira.
Antes que vissem o que estava acontecendo, Telma deteve seu namorado e sussurou.
- Vamos embora daqui, Di.... Vamos embora. Vamos chamar a polícia. Coisa boa não é.
- Vamos só dar uma espiada. Nossa, que cheiro forte de carne assada.
Ignorando o puxão de Telma e seus avisos, Adilson avançou mais no meio do mato e por fim viram, do alto do morrinho onde estavam, o pequeno vale, nos quintais da churrascaria.

O choque daquela visão deixou ambos paralisados e sem reação em um primeiro momento.

Vários espetos enormes giravam sobre fogueiras em grandes churrasqueiras. Amarrados e enfiados nos espetos, homens e mulheres nus iam assando lentamente. Alguns visivelmente ainda estavam vivos. Mais além, uma gaiola onde alguns homens e mulheres, também já despidos e bem amarrados, aguardavam serem assados e grelhados nas chapas, amordaçados e desesperados ao assistirem o que lhes aguardava.
A mulher que gemia mais alto e que chamara a atenção do casal teve a boca tapada com um guardanapo de pano, com o símbolo da churrascaria bordado nele. Ela estrebuchava espetada no espeto que girava lentamente sobre o fogo.

- Corta os bagos do marido dela e joga na chapa que tostado é muito saboroso, você sabe, e serve para o casal na mesa 4 que pediu o couvert especial... – deu uma risadinha. – Se eles soubessem o que é o couvert especial....

- Essa mulher não morre, vou jogar óleo quente no lombo para servirmos à pururuca, aí quem sabe ela expira de uma vez. – E assim o fez.

Telma desmaiou. Ao cair pesadamente sobre o mato, soltando da mão de Adilson, ela rolou e quase caiu do barranco em direção às churrasqueiras. Seu namorado foi rápido e a segurou, mas a terra caindo e o barulho foi suficiente para atrair a atenção dos churrasqueiros.

- Ei, vocês aí!

Adilson tentou reanimar Telma, ele mesmo tremendo e engolindo seco, arfando, mas desta vez de puro medo. Batia no rosto dela, que inconsciente parecia pesar uma tonelada. Pegou-a nos braços quando viu os três homens com garfões e espetos na mão começarem a subir na direção deles, e saiu em disparada de volta à churrascaria.
Mas naquela direção já vinham dois homens musculosos brandando facões.
Virou-se e meteu-se no meio do mato denso em direção à um morro, a adrenalina fazendo com que pudesse correr e segurar Telma em seus braços.
Atravessou parasitas e teias de aranha entre galhos espinhosos, que lhe cortavam a testa, e começou a subir o morro com um desespero crescente.

Tropeçou em um cupinzeiro e caiu no mato, derrubando Telma entre os arbustos. Ela recobrou a consciência, totalmente desorientada.
- Tel, Tel, levanta, temos que fugir, correr o máximo, porque se aqueles caras nos pegam nós vamos acabar nas churrasqueiras!
“Caiu a ficha” de Telma e ela entrou em pânico, chorando desesperada.
- Eles servem carne humana na churrascaria! Meu Deus! Adilson! Meus pais...
- Eles devem estar bem, só vi gente jovem nos espetos, eles não querem carne velha. Nós temos que fugir, sei lá, chegar na estrada, estou ouvindo eles chegando, levanta, Tel!!!!!!
Adilson ajudou Telma a levantar-se e ambos emprenharam-se cada mais na mata profunda, subindo o morro, ele mesmo passando a chorar, ela tentando não gritar de pavor e soluçando, ambos correndo o tanto que suas pernas aguentavam.

Subiram entre a mata fechada sem um rumo definido, apenas tentando salvar suas vidas. De certa forma a fuga e a adrenalina serviram para acalmar ambos, que agora só se focavam na preservação e em manter distância dos assassinos. Fugiram por muito tempo até o topo do morro e além, mas não conseguiram achar a estrada ou nenhum outro indício de civilização. Duas horas e meia de corrida depois e estavam completamente perdidos. A boa notícia é que não havia sinal dos churrasqueiros.

- Di, preciso parar, preciso de água. – Telma tombou na grama da pequena clareira, do outro lado do morro que os separava da churrascaria.
Adison caiu de joelhos, totalmente exausto.
- Acho que desistiram de nos procurar. Tem água aqui perto, estou ouvindo uma caichoeira.
- Eles não vão desistir, Di. Ai, meu Deus, se eles nos pegarem nós vamos ser espetados e colocados naquelas churrasqueiras e vamos ser assados, e os clientes da churrascaria vão comer a gente! – Telma começou a chorar descontroladamente novamente, em pânico.
Adilson não disse nada, apenas puxou com violência sua namorada na direção do barulho que escutava e acharam uma pequena cascata. Saciaram a sede na água limpa que descia das pedras do morro. O sol estava implacável naquele fim de tarde e sentaram-se à sombra de uma árvore. Telma agarrou-se ao namorado.
- Adilson, me salve, eu não quero morrer! Eu ainda nem vivi, eu quero curitr a vida, e ainda não quero morrer daquele jeito horrível! Por favor, se eles nos pegarem me mata antes, não quero ser queimada viva e ser servida em fatias!
Eles ouviram ruídos e berros na mata adiante.
Adilson não esperou mais e puxou sua namorada, sem parar e sem olhar para trás, e ambos os jovens voltaram a atravessar o mato como se este fosse de seda. Espinhos e aranhas não eram nada diante do temor aos churrasqueiros.

(Continua...)

sábado, 27 de março de 2010

Conto: A Churrascaria (parte I)

A Churrascaria

Telma e Adilson estavam se beijando pela quinta vez no banco de trás, e pela quinta vez o pai de Telma pigarreou forte, olhando nervoso pelo retrovisor do carro. Elza era a mãe de Telma, sentada do lado do passageiro, e sorriu ao observar o marido apertar forte o volante do carro.

- Calma, benhê, eles não estão fazendo nada demais.

Jorge ficou quieto. Telma e Adilson tentaram se conter e cada um olhou para o seu lado na janela do sedã, enquanto passavam pela rodovia movimentada em direção à capital. Os caminhões eram ultrapassados e na pista contrária os veículos passavam zunindo causando um efeito letárgico em Adilson, que segurava forte a mão de sua namorada, sentado do lado esquerdo do automóvel.

Assim que o pai de Telma tornou a se distrair com a rodovia, Adilson puxou Telma para si e voltaram a se beijar lânguidamente, trocando saliva, Adilson explorando a boca doce de sua namorada enquanto sua mão sorrateiramente deslizava sobre as coxas da garota de apenas dezoito anos.

Mais uma ultrapassagem e Jorge olhou pelo retrovisor e novamente viu o casal trocando amor. Ficou irritado. Olhou o relógio do carro no painel: onze horas.
Viu o anúncio de uma famosa churrascaria cerca de dez quilômetros adiante.
- Elza, vamos parar na El Corazon, já estou com fome.
- Benhê, falta uma hora pro meio-dia. Porque parar tão cedo?
- Não tem mais nenhum restaurante bom na estrada até a capital. E estou cansado de dirigir. Vamos parar, já decidi.

Jorge deu seta e entrou na via de acesso ao posto e a churrascaria de estrada, bastante conhecida, cheia de caminhões, ônibus e carros estacionados. Achou um canto para estacionar o sedã e logo estavam descendo, Jorge grato por esticar as pernas e tentar separar um pouco aquele casal, raivoso por achar que sua filha estava no cio.

Adilson não desgrudou da namorada. Ambos não tiravam os olhos um do outro, abraçados, enquanto entravam na lotada, mesmo às onze horas da manhã, churrascaria rodízio.

Sentaram-se em uma mesa perto do bufê de saladas. Jorge limpou seus talheres com o guardanapo de pano. Observou sua filha, através dos grossos óculos de aro de tartaruga: uma linda jovem de seios como pêras e curvas audasiosas e sentiu raiva por ela já ser uma mulher. Ele a preferia como uma menina ingênua que fora há alguns anos, e não como aquela garota maliciosa que não soltava do namorado estúpido que arrumara.

“Eu vou fazer Comunicação. Vou ser jornalista”

“Jornalista o cacete” – Jorge olhava com ódio o rapaz de risada fácil. “Nem escrever direito você sabe, e quer ficar com a minha filha?”

O garçom aproximou-se:
- Desculpe, senhor – disse à Jorge – o rodízio vai atrasar um pouco, coisa de uns vinte minutos, não esperávamos estar lotados logo cedo. Posso trazer as bebidas? Aconselho um passeio pelo nosso jardim nos fundos enquanto esperam. Uma cervejinha, senhor?

Jorge ficou ainda mais irritado, mas Elza e seu sorriso bondoso fizeram com que se acalmasse. Bufou.
- Traga uma Hervage bem gelada, o que vão pedir?
- Pai – Telma fez cara de anjo – eu e o Di vamos dar um passeio no jardim e já voltamos.
- Isso, papai, pede um suco de laranja para ela e para mim uma Cola light.
Ao ouvir Adilson, Jorge só não espumou porque Elza o deteve.
- Querido, deixa os pombinhos passearem e vamos relaxar um pouco, tá?

Telma e Adilson saíram pelos fundos caminhar nos belos jardins. O cheiro de carne se sobrepunha ao da vegetação, o que não era muito agradável.
- Vem – puxou Adilson – vamos até aqueles calips.
- Eucaliptos, ‘mor. Você vai ter de melhorar o português para estudar Comunicação e Jornalismo.
- Tanto faz. Vamos.
Passaram pelo belo bosque de eucaliptos e araucárias angustifólias e adentraram a vegetação cada vez mais densa até uma pequena cabana de paredes de taipa e teto de sapé.
- Aqui, vem. Ninguém vai nos ver atrás da cabana.
Trocaram beijos densos e molhados. A mão de Adilson deslizou pela bunda em forma de coração de Telma.
- Para, alguém pode vir aqui.
- Não vem, não. Seu pai ficou lá bebendo cerveja com sua mãe.
Beijaram-se mais com Adilson explorando o corpo da garota.
- Tel... Faz uma coisa...
- Já disse que quero ficar virgem até casar. Meu pai é muito bravo.
- Não é isso. Porque você não ... – E cochichou no ouvido da menina-mulher.
- Ah, Di! Eu... Eu acho que nem sentiria prazer fazendo isso. Tenho nojo.
- Mas você vai me levar à nuvens, vai me dar muito prazer, e eu sou limpinho.
Telma sorriu maliciosa. Porque não? Decidiu que seria divertido. Ajoelhou-se diante dele, na folhagem, atrás da cabana. Abaixou seu ziper, mas antes, lhe disse:
- Não vá terminar na minha boca que eu morro de nojo, tá?

Fazia o trabalho, sentindo mais prazer em dar prazer ao seu namorado, que arfafa e estremecia, do que a si mesma, mesmo assim estava bem molhada, mas não tirara uma peça de roupa sequer, não tinha coragem, embora desejasse.
Então parou e tirou o instrumento da boca.
- Não, não para, Tel, não para, por favor!
- Escuta, Di, tem alguém gemendo!
Adilson ficou meio impaciente mas ouviu o gemido de mulher.
- Tem sim. Será que é alguém transando?
- Não, seu tonto. Só pensa bobagens! Parece que a pessoa tá gemendo de dor.
Adilson vestiu-se e Telma levantou-se e foram mais dentro da mata. Os gemidos ficaram mais fortes, assim como o bater do coração de ambos.

(Continua....)