Era
estranho aquilo que sentia, aquilo que o perseguia. Ele não sabia dizer o que
era, não sabia definir, não sabia dar-lhe um nome, mas era um sentimento
misterioso, algo que o estrangulava aos poucos.
Caminhava
pela rua movimentada. As expressões nos rostos das pessoas que cruzavam com ele
nada lhe diziam. Eram rostos nulos. Mas o sentimento o afligia. Algo dominava
seus passos. Algo o segurava, e no entanto... No entanto estava ali, só, no
meio da multidão.
Olhou
os ônibus a expelirem o ar negro. Olhou os motoristas buzinando em fúria, as
motocicletas serpenteando no trânsito estressante, mas ao mesmo tempo tudo
aquilo não era nada, havia um vazio à sua volta, um silêncio ensurdecedor que o
agitava.
Suas
mãos tremiam. Sua boca estava seca. O que estava sentindo, o que o sacudia, o
que o trepidava? Engoliu seu coração que estava à boca e seguiu pela faixa de
pedestres.
Era
o trabalho que o açoitava? Era a mulher que o atormentava? Era a amante, com seus
pedidos estúpidos, que o torturava? O que estava acontecendo com ele...? Olhou
os arranha-céus em direção ao céu que de seu nada tinha. Um cinza-negro que
prometia chuva, mas aquilo não fazia sentido em sua alma. Não fazia sentido algum. A vida não fazia
sentido.
Ele
queria algo. Mas o que era? Ele sentia algo, e este algo era ruim. Porém, onde
obteria respostas? Olhou à sua volta: lojas, um açougue, uma padaria, gente,
casas velhas e decrépitas, gente, a chuva começando a cair, gente, o que ele
sentia, pelo amor de Deus???
Começou
a correr. Queria ver se podia fugir do que lhe apertava o peito. Correu. A
chuva aumentou. Correu. As pessoas lhe atrapalhavam, correu... E então ele, que
corria, percebeu.
Estacou.
O que lhe afligia, o que ele sentia, de súbito revelou-se, como se um véu ocre
estivesse a tapar-lhe a visão e fosse repentinamente retirado.
Alguém
estava atrás dele. Ele sentia sua respiração funesta. Ela agora sabia a
resposta. Sentiu a mão gélida tocar-lhe o ombro. O sabor do desespero alimentou
sua alma e ele entregou-se.
Era
a morte. A morte viera buscá-lo. Libertá-lo dos fantasmas de suas ações ruins
do passado, e levá-lo onde o inominável o esperava, para que fosse julgado sem
piedade.
Entregou-se.
Seu corpo caiu em meio à multidão indiferente, quem ligaria para um miserável?
Sua
alma seguiu o ser negro e sua foice para a vermelhidão do inferno de onde,
sabia, jamais sairia ou seria algo diferente do que fora em vida.