sexta-feira, 9 de abril de 2010

Amiga Virtual

AMIGA VIRTUAL

Eu gosto de Internet. Atualmente quem não gosta? Passo horas na frente de um micro. Adoro teclar. Chats, e-mails, blogs, web pages do mundo todo...
E foi num dia comum que liguei meu micro, entrei mais uma vez na rede e fui dar uma olhada nas dezenas de e-mails que recebo diariamente...spams...propagandas...piadas engraçadas e sem graça...tudo normal, exceto por uma única mensagem que dizia:

“Diego, estou muito sozinha e gostaria de falar com você”

Era um e-mail sem remetente (!) e sem assunto (!), mas a pessoa sabia o meu nome. Assustei-me, afinal podia ter algum vírus ou algo assim, eu nunca havia recebido um e-mail sem remetente! Como eu responderia? E quem gostaria de falar comigo? Eu estava sem namorada há meses, desde a formatura eu havia perdido contato com meus amigos...e amigas... Então, de quem era aquele e-mail misterioso? De quem poderia ser?
Fiquei um tempão matutando e resolvi clicar em “Responder ao Remetente” no meu gerenciador de e-mails. Escrevi:

“Quem gostaria de falar comigo?”

E remeti. Não precisei esperar muito (o que foi estranho), e menos de dois minutos depois, ao clicar no “Enviar e Receber”, a resposta apareceu (ela devia estar on-line).

“Meu nome é Cristine. Você não deve mais se lembrar de mim, mas às vezes eu o vejo em seu trabalho, em sua casa... Estou com saudades e estou sozinha. Quero conversar com você”

Mandei-lhe outro e-mail, perguntando-lhe se não tinha algo como o MSN ou Skype ou outro software para conversarmos on-line. Seria bem melhor que ficar trocando e-mails o tempo todo. A resposta também veio rápida (o provedor dela devia ser o mesmo que o meu e não devia haver muito tráfego):

“Sinto muito, já foi difícil conseguir lhe enviar alguma coisa, e para falar a verdade não entendo muito de computadores. Só quero conversar, Diego”

Sorri para mim mesmo e resolvi que devia conversar com ela, mesmo daquele jeito inusitado:

“Cristine, desculpe não me recordar de vc. De onde tcls?”

Não esperei nem um minuto para receber a resposta:

“Por favor, não entendo muito de internet, não abrevie as coisas nem use termos técnicos. Onde estou agora? Próxima de você... Mas isso não importa. Sabe, acho você uma pessoa sensível, inteligente, tem ótimas idéias... Você é tímido, mas se falasse com os outros, respirasse fundo e dissesse tudo o que pensa, seus colegas te respeitariam. Mas você é carrancudo, mau-humarado, e se afasta... A vida não é um quarto escuro com um computador, um escritório com ar condicionado e você, engravatado, tomando café com um colega falando mal dos outros. Não é você não dormir pensando nas dívidas, ou invejando o colega que tem um carrão novo. Diego, pense. Você é feliz? Você não acha que viver é ser feliz a maior tempo possível?

Estremeci na cadeira diante da tela do computador. Como ela sabia tanto de mim? E ela havia dito, ops, escrito, que às vezes me via em casa e no trabalho. Como? Quem é essa Cristine?

“Me responda: quem é você? Como sabe tanto sobre mim? E do que você está falando?”

Confesso que hesitei antes de clicar o “Enviar e Receber” a segunda vez, para receber sua resposta. E lá estava ela:

“Tente relembrar: uma antiga amiga de infância. E sei sobre você porque, como você foi um grande amiguinho meu, resolvi lhe visitar. E te conhecer melhor. Descobri que você é um grande cara, mas está escondendo isso. Você é muito negativo, pessimista. Acha que tudo vai dar errado. Mas tem ótimas idéias. Tem potencial. Mas você não vive direito! Pois, Diego, eu lhe afirmo que a vida, que lhe foi dada por Deus, é para ser aproveitada. Ora, com isso não quero dizer que você deva largar tudo e viver sem responsabilidades, isso não. Mas também apenas se preocupar, trabalhar apenas pelo dinheiro, estar sempre achando ruim as coisas que lhe acontecem, isso é vegetar. Falar mal dos outros, que horror: você tem defeitos também. Viva mais despreocupado! A vida é uma só! Viaje, faça o que gosta, dance na chuva, faça amor, beba um vinho (pouco!), enfim, aproveite!! E se algo der errado, dê um berro e depois sorria e fale: podia ser pior. A vida é curta e é para ser vivida, e para se passar com mais prazeres e felicidades do que tristezas!

Eu não me lembrava de nenhuma Cristine, mas o que ela escrevia fazia certo sentido, mas eu estava vacinado: recebia tantas mensagens como aquela, apresentações com mensagens e figuras bonitas, correntes, que aquilo tudo não me afetava. Escrevi:

“Cris, caia na real. Estou num projeto grande e meu gerente diz que se não ficar pronto até a semana que vem a equipe inteira será despedida. Eu vou ficar sem emprego! Como vou pagar minhas dívidas? Se eu sair berrando por aí e dançando na chuva vão me chamar de louco. Fazer amor com quem, se estou sozinho, sem namorada? Olha, estou estressado, desanimado, o aluguel subiu, meu time perdeu e o governo só faz coisas que me deixam nervoso. Não gosto de vinho e meu melhor amigo me deve uma grana e não paga, que merda de vida! E você com essa estória louca...”

O e-mail dela chegou rapidinho:

“Diego, diego, meu amiguinho, você era mais feliz quando era pequeno e nos conhecemos, não era? Brincava ao Sol, ria, era ingênuo... Se você perder o emprego, é claro que pode se endividar, mas vai morrer por isso? Pode ser que arrume coisa bem melhor... Deus fecha uma porta e abre outra, e se você não estiver olhando... E se te acharem louco, pirado, o que isso tem de ruim? Desde que você não atrapalhe ninguém, não mate ninguém... E você já pensou em se vestir melhor, se arrumar melhor, ser uma pessoa simpática e bem humorada que cumprimenta a todos? Logo vai surgir alguém na sua vida, mas não seja tão exigente: pode não ser a mais bonita ou a mais inteligente... Mas se for uma grande companheira, que é sua cúmplice, que faz você feliz, que você se sente bem em cuidar dela? Seu time perdeu, e daí? Pense: o que está errado contigo? Se você é negativo, atrai coisas negativas... Ah, e quanto as dívidas? Faça só as necessárias! Bem materiais? Só aqueles que lhe dão algum conforto e prazer: status não serve para nada. Já comprou algo caro com muito status que está agora jogado em algum quanto e lhe deixou com um gosto amargo na boca logo depois de comprá-lo? Quando você morrer, você não vai levar nada, meu amigo. É claro que se você tem herdeiros, é sábio deixá-los amparados, mas só o suficiente para se virarem. Entendeu? Deixe de ser burro! A vida só é vivida uma vez! Seu bobo, solte-se e faça a maior parte do tempo o que lhe dá prazer!

Respondi-lhe meio confuso com tudo aquilo:

“Sabe, você parece me conhecer muito bem. Quero vê-la, falar com você pessoalmente”

O e-mail dela veio em seguida:

“Acho que vai demorar um pouco, mas vamos nos encontrar. E eu lhe conheço bem! Sei, por exemplo, que você é muito egoísta! Eu lhe falei em fazer coisas que lhe deixam feliz a maior parte do tempo, certo? Pois bem! Faça isso, mas nunca, de modo algum, prejudique alguém no processo. Nunca machuque alguém! E ajude os outros e você verá o quanto isso é prazeiroso. Ah! Não queira receber as glórias por isso. Já haverá Alguém lhe observando e lhe julgando. Sabe, tudo que falei é fácil de fazer quando você começa. Então vá a luta! Viva para si e para seus colegas!”

Escrevi, ainda desconcertado:

“Tudo que você me disse é muito bonito e vou tentar realizar. Mas tenho medo. Tenho medo de ser ridículo. Não durmo a noite pensando no que meu gerente me fala, me pressionando o tempo todo. Não me dou bem com meu vizinho! O que eu faço? E você, gostaria de saber como você é. Vamos falar de você!”

Aguardei ansioso seu e-mail de retorno:

“Mande seu gerente a merda! Procure outro emprego, você é capaz, ficar aí sendo pressionado! Quando você morrer, tudo isso não vai ter importância nenhuma. E converse com calma com seu vizinho, tente ficar amigo dele... Às vezes é só um mau entendido e falta de conversa. Não tenha medo de ser rídiculo! Viva! O que os outros pensam não vale nada, exceção, claro, o que pensa sua amada... Você vai encontrá-la. Quanto a mim, estou bem, mas gostaria de ter tido a suas chances! E se você está pensando em minha aparência física, bem, acho que não sou seu tipo... Sou uma amiga! Mas nos encontraremos e você entenderá tudo. Bem, preciso ir agora. Mas mantenha sempre esta frase em sua cabeça: a vida é curta e Deus nos fez para sermos felizes e fazermos os outros serem felizes.

Estremeci. Queria conhecer essa tal de Cristine:

“Não vá! Onde você está? Eu vou até aí! Quero conversar com você pessoalmente!”

“Sinto muito. Estou perto, mas estou longe, muito longe... Tchau, preciso ir”

Cliquei tanto o botão “Enviar e Receber” que quebrei o botão do mouse. Quem seria essa Cristine? Fiquei mais duas horas, saía, comia, bebia, voltava e procurava ver se havia algo, mas nada da Cristine. Cristine! Cadê você? Como você sabe tanto sobre mim?
Já exausto, onze da noite, fui (tentar) dormir, pensando no trabalho de amanhã. Cristine? Outra que me deixou, pensei.
E naquela noite dormi como um anjo. Dormi profundamente, e devo ter tido belos sonhos, mas não me lembrei de nenhum quando acordei, já quase oito, perdendo hora.
Resolvi não ir trabalhar. Cristine estava certa, e naquele dia resolvi só fazer coisas que eu gostava, como ouvir música, ir nadar, caminhar, ler... Conversar com antigos colegas... E decidi que no dia seguinte, ao ir trabalhar, teria uma longa e sincera conversa com meu gerente, expondo inclusive ideias antigas que escondia de medo de rirem de mim!
Iria também perdoar a dívida de um amigo na pior, ser voluntário de alguma coisa, escrever sobre algo que ajudasse alguém...

Enquanto tomava o café da manhã, feliz, alegre por minhas decisões, lembrei-me de súbito de Cristine. Ela era minha amiguinha do primário. Sempre amigos! Mas...Arrepiei-me até o fundo da alma. Ela havia morrido aos doze anos num acidente de carro. Larguei a xícara que caiu, quebrando, no chão. Tremia como vara verde. Engoli seco.

Corri ao quarto do computador. Ele não ligava! Suando frio, olhei atrás do móvel: a tomada do computador estivera desconectada o tempo todo!

Um comentário:

  1. Olá Vitão.

    Essse eu já tinha lido, mas vale a pena ler de novo, gosto muito do final. Parabéns.
    Abraços.
    Lorna.

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