quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Universos


UNIVERSOS

Autor: Vitor H. B. Ribeiro


O dr. Montes, sentado na poltrona do canto do quarto, sorriu:

 - Você sabe do que eu estou falando, Jessica.

Jessica Kerabi sabia, mas não queria admitir. Levantou-se de supetão da cama:

- Ora, Rogério, não pode ser possível, simplesmente não pode. A existência de dez dimensões foi comprovada nos aceleradores de partículas do CERN, e se considerarmos o Tempo como uma quarta dimensão, as outras seis são tão enroladas e pequenas que dificilmente são detectáveis... E você vem me dizer que uma quinta dimensão é algo quase perceptível?

            Jessica era linda. Loira de olhos verdes. Muito inteligente. Quase uma contradição.

Rogério Montes deixou escapar uma baforada de seu cachimbo. Cinquenta anos, cabelos grisalhos, barba idem, um pouco acima do peso:

- Isso mesmo, querida Jessy. Mas é uma coisa que não percebemos no dia-a-dia, como um desenho sobre uma folha de papel. Se o desenho tivesse consciência, jamais admitiria que poderia existir a profundidade, a terceira dimensão. Ele é um ser bidimensional assim como somos tridimensionais...

- Ora, Rogério, um desenho não está vivo! Não creio...

- Só porque não vê, não quer dizer que não está lá. Você vê o Tempo?

- Claro, se eu olhar meu relógio de pulso!

Rogério deu uma gargalhada, ainda sentado na poltrona em frente a cama de casal:

- Jessy, você é impagável! Como você sabe, para termos com precisão a posição de um corpo, devemos indicar suas coordenadas como X, Y e Z, mais o instante em que ele está, o tempo T - são quatro dimensões - mas e se houver mais uma que indique em que Universo ele está? A variável U...

Jessica era perspicaz e achou engraçado aquele pensamento:

 - Em que Universo, Rogério?

O experiente físico sorriu largamente:

- Adoro estas discussões. Se existem "n" Universos, como vou saber com certeza onde o corpo especificado está se não disser em que Universo ele está?

Jessica Kerabi tinha de concordar com a lógica do doutor, porém provar tal coisa era impossível:

- Isso deve ficar no campo do debate filosófico, Rogério. Na verdade, talvez você devesse contactar o doutor Stephen Hawking... Ele tem algo parecido com a sua idéia, a dos Universos Brana.

Rogério soltou outra baforada de seu cachimbo e disse a uma cética Jessica:

- Vou provar para você minha teoria agora mesmo.

A jovem estudante sentou-se na cama, diante dele, perplexa :

- Como?

- Eu vim de outro Universo, querida.

Jessica desatou a rir, uma gargalhada gostosa:         

 - Ora, Rogério, não conhecia esse seu lado humorístico.

O telefone tocou. Jessica Kerabi foi atendê-lo na sala de estar do apartamento, já que a extensão do quarto estava quebrada.

- Jessica, aconteceu uma coisa horrível! Está sentada...? - Era uma amiga de Jessica, aflita.

- O que aconteceu, Telma?

- Seu namorado novo teve um infarto e... e... Morreu. Você tinha de arrumar um tiozão para namorar? Deu nisso, querida.

- Meu namorado? O professor Rogério?

- Sim... Fazem duas horas que...

Jessica soltou o telefone e voltou ao quarto. Havia um bilhete sobre a cama:

"A variável U que indica onde estou no momento tem o valor A de Além... Foi bom  ver você  uma última vez..."


7 comentários:

  1. Ahahahahaha que tudo!
    muito, muito bom mesmo! parabéns!

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  2. Muito bom o conto, o velho é ranzinza, mas pode ter razão! Hehehe muito inteligente esse conto!

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  3. muito bom!
    poxa vi que o senhor tem um livro publicado ou algo assim...
    e me parece que esse texto faz parte dele! queria saber mais! e quem sabe fazer parceria(consiste em divulgação) com meu blog :)
    www.leituradeouro.blogspot.com

    email: san_100rock@yahoo.com.br
    abraços

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    1. Andressa Santos, senhor, não, por favor, me faz sentir muito velho!!! Podemos sim fazer parceria, estou saindo para um evento e amanhã estarei em SP, mas sexta eu vejo seu blog com calma. Tem Face? Twitter? Estou sempre divulgando coisas lá no face, procure Vitor Ribeiro. Tenho um livro publicado na Amazon, pesquise Vitor Hugo B. Ribeiro, esse micro-conto não faz parte dele, mas é bem divertido. Obrigado pelos seus comentários!!! Abraços!

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  4. Ele estava monitorando o ocorrido no setor X12Y11 com um velho vislumbre em seu olhar. Muitos eventos que já aconteceram deveriam acontecer naquele exato momento, para que, assim, a surpresa daquela pessoa não fosse, por nenhum momento sequer, inequivocada. Ele sorveu um pouco do café que havia deixado ao seu lado na cadeira e observou com mais atenção a face daquela mulher.

    Se aproximando um pouco mais do monitor, dum dentre algumas dezenas que ali estavam, pediu para o computador um zoom do rosto dela.

    - O quão surpresos ficamos quando descobrimos algo que não era para ser descoberto naquela hora? - E deu um meio sorriso.

    O telefone havia tocado e ela parecia ouvir palavras, um balbuciar saia-lhe a boca, mas nada preenchia aquele pesado vácuo que estava entre ela e o homem a sua frente. O mais era esperado. Os porques, os como, o que significava aquilo tudo?

    Claro que, para aquela pessoa não haveria uma explicação completamente lógica.

    - O multiverso, por si só, é meramente um acaso da tacitura espaço-temporal. - Disse o homem que observava os monitores -, se, ao menos, eles pudessem entender isso. Mas não podem, não conseguem, não compreendem por completo. - E lá estava o pedaço de papel. - Um rascunho de genialidade que pode ser perdido pela aurora do tempo se nada for remédio. - Continuou ele.

    - E não vai. - Uma jovem que parecia ter um pouco mais de 30 anos chegara na sala. - Você de novo vendo estas pessoas?

    - Queria saber se eles iriam começar a empreender a viagem, ou se iriam começar a se degladiar porque alguém de uma outra dimensão iria ensinar-lhes...

    - Eles nunca vão compreender. Pelo menos esta faixa de multiverso nunca foi muito bem sucedida em passar dos rascunhos iniciais do entendimento do feixe angular para o transito dos entre-mundos. - Falou ela com convicção. - Não é de se esperar por menos. Vamos, Odriil está nos chamando. Alguém tentou invadir o Complexo agora a pouco.

    E os dois deixaram o lugar enquanto o monitor mostrava uma mulher inerte com um olhar perdido para alguém que já morreu.

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