Capítulo 4:
Mesmo tendo vinte anos e alguns amigos, eu não saia de sábado. Não tinha carro, não tinha moto, não tinha papo, não tinha vontade. Colocava em alguma estação de FM e ficava gravando músicas em fita cassete e me imaginando em alguma danceteria dançando – coisa que eu não sabia – com Solange. Namorando a Solange.
Aquele domingo passou rápido com a visita costumeira da minha tia e a tarde eu sempre saía para jogar fliperama, uma das poucas coisas que sabia fazer bem.
Lembro-me de arrumar uns trocados para comprar uma Playboy e esconder sob a camiseta. Depois quando fui tomar um banho à noite, homenageei a Solange imaginando-a no lugar daquelas modelos das páginas da revista, solitariamente me satisfazendo, na primeira vez que ousei imaginar algo mais quente com ela.
Na aula de Álgebra I, com a professora “Crocodilo”, plena quinta-feira, lá estava ela. Concentrada, mordendo a ponta do lápis... Eu queria ser aquele lápis... Contudo, exceto pela entrada ou saída da aula, ela ignorava minha existência. O Márcio dissera que já a vira com um namorado que a vinha buscar de Voyage azul metálico.
No intervalo das aulas fui comer um X-Salada na lanchonete da faculdade e sentei-me com o Márcio e o Otelo, ambos devorando seus lanches com velocidade.
- E então, amigão. – Márcio falou com a boca suja de maionese. – Já conseguiu pelo menos conversar com ela? Ou ainda está só no “oi”?
- Acho que nem no “oi” – Otelo deu uma risadinha.
Eu apenas devolvi um sorriso sardônico.
- Ah, bom, acho que nem vale a pena. Ela tem um namorado, certo? Que tem um Voyage. Eu nem tênis bom tenho. Então, nem vou perder meu tempo.
- Mas é um tonto mesmo. Vai lá, Flávio. Ela é legal, não vai sair correndo de você. O máximo que ela pode fazer é te dar um pé na bunda.
- Márcio, você tá doidinho para falar com a Márcia Bellini e não tem coragem também, então não fica pressionando. A hora que eu sentir vontade de falar com ela, eu falo, tá?
Otelo deu outra de suas risadinhas em meio a mordidas em seu X-Tudo:
- Vontade você já tem, falta coragem!
Suzana Fontes, a milionária da classe, muito simpática por sinal, alegre e extrovertida - uma amiga para todas as ocasiões - aproximou-se com sua inseparável amiga Kássia, igualmente simpática.
- Então, povo, que tal a gente ir na Stratosfera hoje? Vai tocar um grupo novo lá que eu nunca ouvi falar, de New Wave, mas bem legal, parece que se chamam os Titãs.
- Ah, é – eu conhecia a nova banda – Tem aquela música legal deles, Sonífera Ilha. Eles vão tocar aqui? Que fera. Queria ir sim.
- Eu também – disse Márcio – E o nosso amigo Otelo vai querer também, mas nós vamos ter de ir de Mercedes com motorista.
Kássia ficou supresa: - Mercedes com motorista?
- Ele está falando do buzum da C.C.T.C. que é Mercedes, Kássia. – Disse Suzana, não achando graça na brincadeira. – Olha, eu pego vocês, tá? Vamos juntos.
- Mas eu tenho que ir para Jundiaí, o último ônibus é a meia-noite!
- Dorme na minha república, Otelo. – Márcio já se pôs de pé alisando a barriguinha proeminente. – Pode dormir no sofá que os caras não vão achar ruim. Bom, gente, vou pegar outro X-Tudo que aquele primeiro não deu nem para cova do dente.
No fim da aula daquela noite fui até a minha república, que estava vazia, e coloquei meu melhor jeans e uma camisa azul petróleo com gravata de crochê branca, bem na moda da época. Dos meus amigos de república, eu só havia conhecido o Natanael, o outro cara eu nem sabia quem era e até então não aparecera.
Suzana parou o seu Fiat Prêmio azul escuro novinho em frente ao meu prédio pontualmente às onze horas e Kássia, Márcio e Otelo já estavam nele. Excitado por sair com amigos, não vi a poça d’agua e sujei meu dockside e a barra do meu jeans, mas não me preocupei. Era uma das primeiras vezes que saia com amigos, embora em Salto, quando era pré-adolescente, saía muito à noite. Saia a pé, andar pela 9 de Julho, ver as lojas e ficar conversando bobagens de pré-adolescente.
A danceteria Stratosfera ficava na rua Paula Bueno em Campinas, e era incrível, pelo menos para mim, virgem em sair para lugares assim. Lembro que estava tocando Blitz quando entramos, Mais Uma de Amor. Começamos fingindo que dançávamos, nós cinco. Eu estava muito feliz! Saindo pela primeira vez!
Foi então que outro momento mais que mágico aconteceu. Ela!
Solange Pereira Carvalho. Ela entrou vibrante, vestida com um tubinho preto, glitter no rosto e de mãos dadas com um sujeito gostosão de cabelos espetados.
Meu mundo girou. Como uma menina podia ser tão bonita? Tão sensual?
- Acorda, bananão. – Márcio me sacudiu. – Ela é muito caminhão para sua areia.
- Não seria o contrário? – Otelo deu sua risadinha.
Kássia e Suzana já haviam nos abandonado à própria sorte, cada uma conversando com um rapaz diferente. Agora éramos só os três e fiquei com os olhos vidrados em Solange, que não me vira. Os Titãs em começo de carreira entraram no palco.
Eu pulava de qualquer jeito finjindo que sabia dançar. Meus olhos não conseguiam deixar de acompanhar Solange. Ela dançava muito bem junto com o rapaz, e em um momento fugas ela me viu, porém virou o rosto e fez que eu era um completo estranho. Mesmo no auge do show, quando os Titãs tocaram Sonífera Ilha, eu me sentia um morto-vivo com a auto-estima abaixo da linha do zero.
Voltamos a pé para nossas repúblicas na madrugada fria, abandonados pela Suzana e pela Kássia, que haviam arrumado dois “rapazes interessantes”.
Naqueles idos dos anos 80 do Século Vinte andar à noite por Campinas não era correr risco de ser assaltado ou até morto. Só sei que ao chegar em minha quitinete, encontrei Natanael de péssimo humor.
- Fica bem longe de mim, sua bichinha, porque hoje eu arrebento um se puder! - E socou a parede deixando um desnível nela. Passou a chutar tudo e então colocou um disco de vinil no três-em-um da salinha com uma música sertaneja horrível em alto volume. Simplesmente não pude pregar o olho a noite toda, e nem me atrevi a falar nada com medo de levar um soco e ter meu rosto amassado como a parede.
Eu soube depois que a namorada do Natanael o havia deixado.
sexta-feira, 22 de outubro de 2010
sábado, 9 de outubro de 2010
O Diário Secreto de Solange - Cap. 3
Capítulo 3:
A parte que me interessava mais na faculdade era tudo que tinha a ver com computadores: programação, algoritmos, projetos. Detestava e ainda detesto matemática, cálculo, geometria e estatística. As minhas primeiras provas nestas últimas matérias eram tingidas de vermelho. Porém começava a me destacar entre os colegas no domínio dos novíssimos Cobra-320 e Cobra-520, os computadores do CPD da minha faculdade.
Eu aprendi com extrema rapidez a programar em Cobol, Mumps e a mexer no sistema operacional SOD tão bem que minhas notas eram 9,0 ou 10,0 nestas matérias.
E o semestre voava. Voltando à minha turma, logo fiz amizade com o Otelo, um grande amigo da Bolívia. E o Márcio, o sujeito que eu admirava porque parecia saber de tudo um pouco. Também era o nosso fornecedor de disquetes, programas “alternativos” para Apple II e picotex para furar disquetes de 5 ¼” e poder usar o outro lado.
Logo o trio estava sempre junto. Infelizmente não havia vaga na república do Márcio e o Otelo morava em Jundiaí, uma cidade próxima à Campinas, então tive de me contentar em viver em uma quitinete com mais dois desconhecidos que sequer faziam o mesmo curso que eu.
Lembro-me do primeiro dia na minha república. Claro como se fosse ontem. Cheguei às onze e meia da noite de uma sexta-feira, vindo da faculdade com o ônibus vermelho da C.C.T.C. e estava exausto. Aulas de Álgebra I e Cálculo I haviam reduzido meu cérebro a um amontoado de sinapses sem sentido.
A porta estava trancada. Eu tremia. Não conhecia meus dois novos companheiros porque todo o trâmite de alugar o apartamento fora feito por minha mãe. Eu só sabia o endereço que estava em um pedaço de papel e mais nada, então imaginem o que eu sentia naquela hora...
Abri a porta com minha chave e acendi a luz. Era uma quitinete cinza e comum no sétimo andar de um prédio na Barão de Itapura. Na pequena sala havia apenas um pequeno sofá verde escuro, um rack velho com uma televisão pequena e um aparelho de som antigo. O chão tinha um carpete cinza tipo forração.
Havia apenas mais uma cozinha minúscula, um banheiro apertado e um quarto um pouco maior com dois beliches e um guarda-roupa estreito. Senti-me deprimido... Eu teria de viver lá por pelo menos mais quatro longos anos. Joguei a mochila com minhas coisas em uma das duas camas vazias.
Tomei um banho rápido, coloquei meus ridículos pijamas e arrumei a cama que escolhera (as outras duas, de meus colegas de quarto, estavam todas bagunçadas). Era a parte de baixo do beliche da esquerda. Deitei e não conseguia dormir, agitado, com uma espécie de medo, sentindo-me sozinho. Porém em algum momento após a uma da manhã peguei no sono, um sono leve.
Acordei com risos. Ia levantar-me para conhecer meus dois novos colegas, mas ao virar-me na cama deparei-me com um casal bêbado.
O rapaz, um jovem alto, mulato e de cabelo pixaim cortado rente, reconheci como sendo um dos que iam compartilhar a república comigo. Eu o havia visto em uma foto e sabia que seu nome era Natanael. A garota, uma loirinha muito bonita e magricela, eu nunca tinha visto antes. Seus olhos verdes não demonstravam brilho algum.
Ela era bem pequena perto dele, que devia ter quase dois metros de altura.
- Quem é você, garoto? Eu te conheço? – Natanael parecia irritado.
- Eu sou o Flávio Maulson. De Salto. Você deve ter falado com a minha mãe.
- Ah, é... O Flávio. Sua mãe mandou ficar de olho em você! Já trocou as fraldas?
Eles riram e eu fiquei muito chateado, mas não respondi. A loira me encarou:
- Olha... Porque você não vai ali na esquina chupar um sorvete que eu estou querendo chupar outra coisa aqui... – E riram mais.
Levantei-me para colocar uma roupa e sair. Estava ficando insuportável permanecer naquele quarto. Quando me viram de pijama bege caíram na gargalhada.
Natanael chegou a chorar de tanto rir:
- Que é isso? Aqui não é o maternal não....
Peguei algumas roupas e me retirei, indo vestir-me no banheiro. Saí do apartamento humilhado e com muita raiva e desci para a rua, caminhando até uma agitada pizzaria ainda aberta ali perto. Nem lembro o que comi ou bebi de tanta raiva.
Voltei quanto a pizzaria fechou, duas e meia da manhã. O apartamento estava às escuras. Entrei vagarosamente no quarto e percebi, pela penumbra, que Natanael e sua namorada estavam dormindo no beliche da direita, na parte de baixo, juntos.
Tirei meus sapatos e dormi de jeans e camiseta mesmo, roendo-me de ódio.
Na manhã seguinte, um sábado atipicamente quente do final de abril, voltei para Salto, para minha casa. Um noite na república e já a detestava. Cheguei de mau humor e fui diretamente ao meu quarto, que compartilhava com meu irmão.
Coloquei meus fones de ouvido e fiquei ouvindo música, eu gostava de “mixar” fitas cassetes com músicas New Wave de bandas como Devo e B-52’s, minhas preferidas na época. Eu não tinha uma moto ou um carro, mas tinha uma senhora aparelhagem de som, com toca-discos, mixer, equalizador, os cambal.
Tirei os fones quando meu irmão, Fúlvio, tocou o meu ombro.
- Vem almoçar, Fla, que a mamãe tá chamando.
Desliguei tudo e fui comer, meio chateado, ainda lembrando da noite anterior. Eu não queria mais voltar para a minha república. Mas não tinha coragem de dizer isso aos meus pais. Sentei-me na mesa e minha mãe serviu macarrão com almôndegas.
- Como foi na república nova, Flávio? – Ela perguntou.
- Ah, foi bom – menti – dormi bem, foi legal.
Ela não perguntou mais nada e fiquei quieto. Meu irmão começou a reclamar da comida como sempre fazia. Minha mãe gritou para o meu pai:
- Jonas, vai almoçar aí ou vem comer aqui?
- Vou comer aqui na sala, beinhê. Vai começar um filmão com o Browson.
Tudo aquilo me deixava deprimido. Meu irmão reclamando, meu pai ausente, minha mãe pouco importando se eu ia bem na faculdade ou não, porque nem sequer sabia que notas eu tirava ou se havia alguma prova importante.
Comi bastante como um rapaz de vinte anos come e voltei à minha música. Afundei na poltrona com os fones de ouvido e coloquei no meu tape deck Foreigner cantando I Wanna Know What Love Is, curtindo uma leve depressão. Suspirei pensando na Solange. A linda, extrovertida e inteligente Solange Pereira de Carvalho.
A parte que me interessava mais na faculdade era tudo que tinha a ver com computadores: programação, algoritmos, projetos. Detestava e ainda detesto matemática, cálculo, geometria e estatística. As minhas primeiras provas nestas últimas matérias eram tingidas de vermelho. Porém começava a me destacar entre os colegas no domínio dos novíssimos Cobra-320 e Cobra-520, os computadores do CPD da minha faculdade.
Eu aprendi com extrema rapidez a programar em Cobol, Mumps e a mexer no sistema operacional SOD tão bem que minhas notas eram 9,0 ou 10,0 nestas matérias.
E o semestre voava. Voltando à minha turma, logo fiz amizade com o Otelo, um grande amigo da Bolívia. E o Márcio, o sujeito que eu admirava porque parecia saber de tudo um pouco. Também era o nosso fornecedor de disquetes, programas “alternativos” para Apple II e picotex para furar disquetes de 5 ¼” e poder usar o outro lado.
Logo o trio estava sempre junto. Infelizmente não havia vaga na república do Márcio e o Otelo morava em Jundiaí, uma cidade próxima à Campinas, então tive de me contentar em viver em uma quitinete com mais dois desconhecidos que sequer faziam o mesmo curso que eu.
Lembro-me do primeiro dia na minha república. Claro como se fosse ontem. Cheguei às onze e meia da noite de uma sexta-feira, vindo da faculdade com o ônibus vermelho da C.C.T.C. e estava exausto. Aulas de Álgebra I e Cálculo I haviam reduzido meu cérebro a um amontoado de sinapses sem sentido.
A porta estava trancada. Eu tremia. Não conhecia meus dois novos companheiros porque todo o trâmite de alugar o apartamento fora feito por minha mãe. Eu só sabia o endereço que estava em um pedaço de papel e mais nada, então imaginem o que eu sentia naquela hora...
Abri a porta com minha chave e acendi a luz. Era uma quitinete cinza e comum no sétimo andar de um prédio na Barão de Itapura. Na pequena sala havia apenas um pequeno sofá verde escuro, um rack velho com uma televisão pequena e um aparelho de som antigo. O chão tinha um carpete cinza tipo forração.
Havia apenas mais uma cozinha minúscula, um banheiro apertado e um quarto um pouco maior com dois beliches e um guarda-roupa estreito. Senti-me deprimido... Eu teria de viver lá por pelo menos mais quatro longos anos. Joguei a mochila com minhas coisas em uma das duas camas vazias.
Tomei um banho rápido, coloquei meus ridículos pijamas e arrumei a cama que escolhera (as outras duas, de meus colegas de quarto, estavam todas bagunçadas). Era a parte de baixo do beliche da esquerda. Deitei e não conseguia dormir, agitado, com uma espécie de medo, sentindo-me sozinho. Porém em algum momento após a uma da manhã peguei no sono, um sono leve.
Acordei com risos. Ia levantar-me para conhecer meus dois novos colegas, mas ao virar-me na cama deparei-me com um casal bêbado.
O rapaz, um jovem alto, mulato e de cabelo pixaim cortado rente, reconheci como sendo um dos que iam compartilhar a república comigo. Eu o havia visto em uma foto e sabia que seu nome era Natanael. A garota, uma loirinha muito bonita e magricela, eu nunca tinha visto antes. Seus olhos verdes não demonstravam brilho algum.
Ela era bem pequena perto dele, que devia ter quase dois metros de altura.
- Quem é você, garoto? Eu te conheço? – Natanael parecia irritado.
- Eu sou o Flávio Maulson. De Salto. Você deve ter falado com a minha mãe.
- Ah, é... O Flávio. Sua mãe mandou ficar de olho em você! Já trocou as fraldas?
Eles riram e eu fiquei muito chateado, mas não respondi. A loira me encarou:
- Olha... Porque você não vai ali na esquina chupar um sorvete que eu estou querendo chupar outra coisa aqui... – E riram mais.
Levantei-me para colocar uma roupa e sair. Estava ficando insuportável permanecer naquele quarto. Quando me viram de pijama bege caíram na gargalhada.
Natanael chegou a chorar de tanto rir:
- Que é isso? Aqui não é o maternal não....
Peguei algumas roupas e me retirei, indo vestir-me no banheiro. Saí do apartamento humilhado e com muita raiva e desci para a rua, caminhando até uma agitada pizzaria ainda aberta ali perto. Nem lembro o que comi ou bebi de tanta raiva.
Voltei quanto a pizzaria fechou, duas e meia da manhã. O apartamento estava às escuras. Entrei vagarosamente no quarto e percebi, pela penumbra, que Natanael e sua namorada estavam dormindo no beliche da direita, na parte de baixo, juntos.
Tirei meus sapatos e dormi de jeans e camiseta mesmo, roendo-me de ódio.
Na manhã seguinte, um sábado atipicamente quente do final de abril, voltei para Salto, para minha casa. Um noite na república e já a detestava. Cheguei de mau humor e fui diretamente ao meu quarto, que compartilhava com meu irmão.
Coloquei meus fones de ouvido e fiquei ouvindo música, eu gostava de “mixar” fitas cassetes com músicas New Wave de bandas como Devo e B-52’s, minhas preferidas na época. Eu não tinha uma moto ou um carro, mas tinha uma senhora aparelhagem de som, com toca-discos, mixer, equalizador, os cambal.
Tirei os fones quando meu irmão, Fúlvio, tocou o meu ombro.
- Vem almoçar, Fla, que a mamãe tá chamando.
Desliguei tudo e fui comer, meio chateado, ainda lembrando da noite anterior. Eu não queria mais voltar para a minha república. Mas não tinha coragem de dizer isso aos meus pais. Sentei-me na mesa e minha mãe serviu macarrão com almôndegas.
- Como foi na república nova, Flávio? – Ela perguntou.
- Ah, foi bom – menti – dormi bem, foi legal.
Ela não perguntou mais nada e fiquei quieto. Meu irmão começou a reclamar da comida como sempre fazia. Minha mãe gritou para o meu pai:
- Jonas, vai almoçar aí ou vem comer aqui?
- Vou comer aqui na sala, beinhê. Vai começar um filmão com o Browson.
Tudo aquilo me deixava deprimido. Meu irmão reclamando, meu pai ausente, minha mãe pouco importando se eu ia bem na faculdade ou não, porque nem sequer sabia que notas eu tirava ou se havia alguma prova importante.
Comi bastante como um rapaz de vinte anos come e voltei à minha música. Afundei na poltrona com os fones de ouvido e coloquei no meu tape deck Foreigner cantando I Wanna Know What Love Is, curtindo uma leve depressão. Suspirei pensando na Solange. A linda, extrovertida e inteligente Solange Pereira de Carvalho.
sábado, 2 de outubro de 2010
O Diário Secreto de Solange - Cap. 2
Capítulo 2:
As aulas de fato começaram na semana seguinte e percebi que gostava muito de ir à faculdade. Sentava-me na verdade no meio da sala, não pertencendo nem ao grupo dos bagunçadores, os que ficavam na parte de trás, nem dos CDFs, que ficavam nas primeiras carteiras. Era médio em tudo. Não era bom em nada, mas também não era ruim em nada. Eu era médio.
Solange, o nome de minha paixão até então totalmente platônica, sentava-se a duas carteiras lateralmente de mim, à minha esquerda. Eu vivia com um olho na aula e outro nela. Vestia-se na moda da época, roupas coloridas, muito verde limão, amarelo ruidoso e vermelho queimado. Sempre com seus cabelos castanhos longos a combinar totalmente com aquele par de olhos vívidos e sensuais. Nisto estava fora de moda: na época a maioria das meninas da classe cortava os cabelos curtos, na moda New Wave.
No restante da classe, gordinhos, magrinhos como eu, gostosões, gostosinhas e muitas orientais, a maioria com o nome de Márcia. Acredito que naqueles anos de 1980 o costume entre os nipônicos era colocar o nome em suas lindas filhas de Márcia, com seus cabelos lisos e olhos negros misteriosos.
Logo um rapaz começou a se destacar entre a nossa turma. Parece que sempre deve existir alguém assim em qualquer comunidade. Seu nome era Valério, logo apelidade de O Terrível. Não apenas por ser o terrível com as mulheres, mas porque sabia tudo, e ninguém o via estudar. Devia ter um Q.I. muito alto. E o pilantra ainda era rico. Então acho que não é novidade que as garotas da classe orbitavam em torno dele. Menos Solange.
Ah, mas Solange conversava com ele, conversava com todos. Ela era expansiva, alegre, bem humorada e... Quando me deu um olá a primeira vez eu nem sequer consegui responder, perdi a voz. E, creio, não preciso dizer que meu coração disparou.
Mas voltando à nossa turma havia o Antunes. Ele tocava violão com maestria e logo, depois das aulas, sempre havia um showzinho onde ele cantava as de sempre, Te Amo Espanhola, Yolanda, ou Um Dia Frio...
Ficávamos ao redor dele, no chão mesmo ou no assento de concreto que torneava os canteiros, quase sem plantas, do andar de baixo de nosso prédio na faculdade. Eu tentava ficar perto de Solange, que cantava junto baixinho com uma voz doce, suave, mas não era páreo para o Antônio, o Pedro ou o próprio Valério, maiores e menos tímidos do que eu.
Mas eu sonhava. Sonhava muito com ela. Voltando para casa de ônibus sozinho - naquele começo de semestre eu ainda não fizera amigos – encostava a cabeça na janela (já devidamente tosquiada) e sonhava passeando pelo shopping com ela de mãos dadas e depois indo à sua república – eu já descobrira que ela morava em uma república com mais duas amigas – e a beijando e beijando, porque até então eu ainda só pensava em beijá-la, ingênuo que era.
Os dias pareciam passar cada vez mais depressa. Eu vinha de Salto, uma cidade também do interior do Estado de São Paulo, e meus pais que lá moravam resolveram que era melhor eu não ficar viajando todo dia. Agradeço à Deus por isso... Porque iriam procurar uma república em Campinas para mim, para ficar a semana toda em Campinas e só voltar à Salto de fim-de-semana... Bom, minha família era de classe média média e com um pouco de dor podia pagar um terço de aluguel de quitinete.
As aulas de fato começaram na semana seguinte e percebi que gostava muito de ir à faculdade. Sentava-me na verdade no meio da sala, não pertencendo nem ao grupo dos bagunçadores, os que ficavam na parte de trás, nem dos CDFs, que ficavam nas primeiras carteiras. Era médio em tudo. Não era bom em nada, mas também não era ruim em nada. Eu era médio.
Solange, o nome de minha paixão até então totalmente platônica, sentava-se a duas carteiras lateralmente de mim, à minha esquerda. Eu vivia com um olho na aula e outro nela. Vestia-se na moda da época, roupas coloridas, muito verde limão, amarelo ruidoso e vermelho queimado. Sempre com seus cabelos castanhos longos a combinar totalmente com aquele par de olhos vívidos e sensuais. Nisto estava fora de moda: na época a maioria das meninas da classe cortava os cabelos curtos, na moda New Wave.
No restante da classe, gordinhos, magrinhos como eu, gostosões, gostosinhas e muitas orientais, a maioria com o nome de Márcia. Acredito que naqueles anos de 1980 o costume entre os nipônicos era colocar o nome em suas lindas filhas de Márcia, com seus cabelos lisos e olhos negros misteriosos.
Logo um rapaz começou a se destacar entre a nossa turma. Parece que sempre deve existir alguém assim em qualquer comunidade. Seu nome era Valério, logo apelidade de O Terrível. Não apenas por ser o terrível com as mulheres, mas porque sabia tudo, e ninguém o via estudar. Devia ter um Q.I. muito alto. E o pilantra ainda era rico. Então acho que não é novidade que as garotas da classe orbitavam em torno dele. Menos Solange.
Ah, mas Solange conversava com ele, conversava com todos. Ela era expansiva, alegre, bem humorada e... Quando me deu um olá a primeira vez eu nem sequer consegui responder, perdi a voz. E, creio, não preciso dizer que meu coração disparou.
Mas voltando à nossa turma havia o Antunes. Ele tocava violão com maestria e logo, depois das aulas, sempre havia um showzinho onde ele cantava as de sempre, Te Amo Espanhola, Yolanda, ou Um Dia Frio...
Ficávamos ao redor dele, no chão mesmo ou no assento de concreto que torneava os canteiros, quase sem plantas, do andar de baixo de nosso prédio na faculdade. Eu tentava ficar perto de Solange, que cantava junto baixinho com uma voz doce, suave, mas não era páreo para o Antônio, o Pedro ou o próprio Valério, maiores e menos tímidos do que eu.
Mas eu sonhava. Sonhava muito com ela. Voltando para casa de ônibus sozinho - naquele começo de semestre eu ainda não fizera amigos – encostava a cabeça na janela (já devidamente tosquiada) e sonhava passeando pelo shopping com ela de mãos dadas e depois indo à sua república – eu já descobrira que ela morava em uma república com mais duas amigas – e a beijando e beijando, porque até então eu ainda só pensava em beijá-la, ingênuo que era.
Os dias pareciam passar cada vez mais depressa. Eu vinha de Salto, uma cidade também do interior do Estado de São Paulo, e meus pais que lá moravam resolveram que era melhor eu não ficar viajando todo dia. Agradeço à Deus por isso... Porque iriam procurar uma república em Campinas para mim, para ficar a semana toda em Campinas e só voltar à Salto de fim-de-semana... Bom, minha família era de classe média média e com um pouco de dor podia pagar um terço de aluguel de quitinete.
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